Desafiando a fibrose cística

Fibrose cística é uma doença hereditária rara, não contagiosa, progressiva, de alta complexidade e ainda sem cura. No Brasil, cerca de 4.200 pessoas vivem com a doença e estima-se que, em todo o mundo, esse número chegue a 70 mil. De acordo com informações do Ministério da Saúde, a fibrose cística apresenta um índice de mortalidade elevado, porém, nos últimos anos, o prognóstico tem melhorado muito, mostrando índices de 75% de sobrevida até o final da adolescência e de 50% até a terceira década de vida.

Também conhecida como mucoviscidose, é causada por uma alteração genética que faz com que toda a secreção do organismo seja muita grossa e pegajosa, o que desencadeia graves alterações no sistema respiratório, digestivo e reprodutor.

Popularmente chamada de “doença do beijo salgado”, tem como métodos de diagnóstico o teste do pezinho e o teste do suor. No caso do segundo, é estimulada uma pequena área da pele, de forma a incentivar as glândulas sudoríparas a produzirem suor. O material é, então, coletado da superfície da pele e analisado para verificação do conteúdo de sal. A maioria dos diagnósticos acontece já nos primeiros meses de vida da criança.

Foi o caso do João Simão da Silva Neto, que aos três meses foi diagnosticado com fibrose cística e encaminhado ao Hospital Infantil João Paulo II (HIJPII) para iniciar seu tratamento. “Ele nasceu com pressão alta e problemas nos rins e fígado. Os médicos não acreditavam que ele passaria de 24 horas de vida”, relembra a mãe, Ana Maria Santos, que no mesmo dia deu à luz o irmão gêmeo de João, Jonas, não diagnosticado com a doença.

Desde então, João vem surpreendendo a todos na luta contra a fibrose cística. “Nasci na Maternidade Odete Valadares (MOV) e estou até hoje aqui no Hospital Infantil. Quando fizer 18 anos, vou ser transferido para o Júlia Kubitschek, todos da Rede Fhemig”, conta ele que, aos 16 anos, é conhecido pela equipe do hospital e encanta a todos com a seu carisma. “Quebrei as barreiras e fui crescendo, como se fosse Deus falando que não era o meu dia”.

“O João é um paciente muito popular aqui no hospital. É muito responsável e comprometido com o tratamento, está sempre de bom humor, é muito educado, inteligente e interage positivamente com todos os profissionais que o assistem. Além disso, ele apresenta um grau de maturidade incomum para a sua pouca idade e, frequentemente, nos surpreende com suas colocações aguçadas e observações certeiras”, elogia o pneumologista pediátrico, coordenador do Serviço de Fibrose Cística do HIJPII, Alberto Vergara. 

Tratamento

Atualmente, cerca de 160 pacientes com fibrose cística são acompanhados, no HIJPII, por uma equipe composta por pneumologistas, gastroenterologista, endocrinologistas, assistentes sociais, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas e enfermeiros. No caso do João, o tratamento é feito todo dia com fisioterapia respiratória em casa e no hospital, enzimas antes das refeições, consultas mensais e internações programadas a cada três meses. Há quase um ano, ele também precisou iniciar o uso do oxigênio, para ajudar na sua respiração. “Meu tratamento é com uma equipe multidisciplinar muito gente boa e especial”, diz.

De acordo com a psicóloga do hospital, Raquel Nogueira Duarte, ele ainda vai à unidade três vezes por semana para sessões de reabilitação pulmonar, que incluem exercícios aeróbicos, como esteira e bicicleta, acompanhados por fisioterapeutas. “Isso tem contribuído muito para ele se manter estável, mesmo com suas limitações”, afirma ela que acompanha o adolescente há cinco anos. “Ele não fraqueja, é muito forte. Meu filho é um guerreiro, tem muita vontade de viver”, completa a mãe, orgulhosa.

Cura

Segundo Alberto Vergara, tem sido muito discutido sobre uma nova categoria de medicamentos denominados moduladores do CFTR. “Trata-se de uma classe de medicamentos desenvolvida para corrigir o defeito básico causador da doença, que é ausência ou o mau funcionamento da proteína CFTR. Estes medicamentos são direcionados para grupos de mutações específicas”. Ele afirma que os dois primeiros moduladores do CFTR tiveram sua comercialização liberada recentemente pela Anvisa, no Brasil, mas ainda não estão incorporados ao Sistema único de Saúde (SUS). “Outros moduladores do CFTR estão sendo alvo de pesquisas clínicas, com resultados ainda mais promissores do que os atuais e poderão contemplar mais pacientes”, explica o médico. Para o pneumologista, a maior dificuldade em relação à terapia com moduladores do CFTR é o alto custo da medicação, que tem gerado muitas discussões e controvérsias em todo o mundo.

Enfrentando a doença

Raquel ressalta a importância da forma com que a família encara e lida com a doença e com todo o tratamento envolvido. “A gente vê a diferença quando o paciente tem o respaldo e o envolvimento familiar, quando a família transmite uma aceitação desde o início para a criança, que já vai crescendo lidando com mais naturalidade, entendendo que tudo faz parte da rotina, para que o dia a dia possa ficar um pouco mais leve”, afirma a psicóloga.

Ainda de acordo com ela, o maior desafio é a adesão ao tratamento, principalmente de pacientes que ainda não apresentam muitos sintomas. “Com os mais sintomáticos precisamos trabalhar o medo da morte, as limitações sociais que vão surgindo e também a falta de contato físico com outras pessoas que possuem a mesma doença, já que elas não podem se relacionar devido ao risco de passarem bactérias umas para as outras”, explica.

Nada disso, no entanto, abala a empolgação com que João fala dos seus planos para o futuro, como tirar carteira, comprar um carro e, talvez, o maior deles: escrever um livro! Para ele, os sonhos nunca acabam. “A gente vai evoluindo, igual o celular”, brinca. “Se posso dar um conselho é este: não desista dos seus sonhos”.