Casa de Saúde Santa Izabel é a primeira do país a efetivar regularização fundiária

Minas Gerais será o primeiro Estado a entregar títulos de propriedade de imóveis a ex-internos de colônias de hanseníase. Depois de décadas de discussões e tentativas, foram formalizadas ontem, 29 de janeiro, as doações dos terrenos às famílias que hoje estão na área pertencente à Casa de Saúde Santa Izabel, da Rede Fhemig. 

A solenidade aconteceu na Praça do Encontro, no Centro de Betim, e contou com a presença do governador Fernando Pimentel, do presidente da Fhemig, Tarcisio Dayrell Neiva, do secretário de Estado de Saúde, Sávio Souza Cruz, do prefeito de Betim, Vittorio Medioli e outras autoridades. Foi assinado o termo de doação entre as partes envolvidas e entregues títulos simbólicos a alguns ex-internos da antiga Colônia Santa Izabel.



“Estamos celebrando o pagamento de uma dívida histórica que o Estado tinha com os moradores da Santa Izabel, seus filhos e, em alguns casos, até netos e bisnetos de hansenianos que hoje ainda residem ali e que tinham todo o direito de reivindicar a propriedade das suas casas. Isso agora está regularizado”, anunciou o governador Fernando Pimentel.

O presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), Tarcísio Dayrell Neiva, esteve presente na solenidade e também assinou o termo de doação, ao lado do governador, do prefeito de Betim, do secretário de Estado de Saúde e do diretor atual da Casa de Saúde Santa Izabel, Getúlio Ferreira de Morais. Tarcísio avaliou que “A Fhemig cumpre, mais uma vez, seu papel social, possibilitando a melhoria da qualidade de vida por meio de ações conjuntas com outros atores públicos”.

O prefeito de Betim, Vittorio Medioli, agradeceu todo o esforço do Governo na regularização fundiária da ex-colônia. “A certeza da propriedade dará dignidade e segurança aos seus moradores e permitirá a transferência desses imóveis aos sucessores”, disse o prefeito.

Lei Estadual 22.816/ 2017

A Lei estadual 22.816/ 2017, promulgada no final do ano passado, autorizou a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) a doar ao município de Betim a área total de 3, 4 milhões m², o que irá beneficiar, até o final deste ano, uma média de dez mil pessoas. A prioridade é para os imóveis utilizados por ex-internos e seus descendentes.

A lei publicada prevê que a regularização fundiária da área será para viabilizar o desenvolvimento de ações de saúde pública, educação, defesa e proteção do patrimônio histórico-cultural e ambiental, geração de emprego e renda e outras atividades de interesse público ou social. Todo o processo que culminou na lei foi discutido entre a Fhemig, a comunidade, os governos municipal e estadual e os movimentos sociais.

Júlio César Pinto, assessor da Presidência da Fhemig, explica que a Fundação tem como dever incentivar e participar de ações intersetoriais – nos âmbitos municipal, estadual e federal – visando à reabilitação e reinserção social dos moradores das ex-colônias. “É uma promoção dos direitos de cidadania. Estamos dando segurança a estes moradores e, ao mesmo tempo, permitindo que o município possa atuar no desenvolvimento social e econômico da região. Precisamos ressaltar que os direitos históricos conquistados, consequentes da política de segregação vigente por várias décadas, serão resguardados. E a Fhemig manterá a atenção hospitalar e os benefícios aos pacientes assistidos pela Linha de Cuidado do Adulto e do Idoso, um protocolo clínico adotado pela Rede. Mas não faz mais sentido, diante do novo perfil assistencial da unidade, manter uma extensa área territorial”, afirma o assessor. Atualmente, na Casa de Saúde Santa Izabel, são 300 pacientes assistidos em tratamentos ambulatoriais.

A Prefeitura de Betim cadastrou 2.400 famílias, realizando também o diagnóstico e os levantamentos topográfico e social da região com recursos provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). São quatro áreas a serem regularizadas: o Centro Histórico, o Monte Calvário, o Alto Boa Vista e o Cruzeiro.

Uma vida construída na comunidade
“Quem construiu minha casa fui eu. Foi aqui que eu sofri, tive momentos de angústia e de aceitação, que eu sorri e chorei, mas que fiz, acima de tudo, muitos amigos e minha própria família”, resume Nélson Flores, 75 anos, um dos moradores mais antigos de Santa Izabel. Desta forma, ele justifica a importância de receber o “documento” que irá lhe garantir a propriedade de sua casa. “É muito melhor você ter a tranquilidade de estar naquilo que é seu, que poderá deixar para o seu filho”, acrescenta. Nélson chegou à Santa Izabel em 1955, internado compulsoriamente com apenas 12 anos de idade, mas revela: “Aprendi a amar e a entender esse lugar. Decidi que quero morrer na colônia, apesar de hoje poder ir aonde eu bem quiser”.

“Temos pressa”
O diretor atual da Casa de Saúde Santa Izabel, Getúlio Ferreira de Morais, relata que quando chegou à CSSI há 15 anos, escutou do senhor Nélson a frase: “Nós temos pressa”. Mais tarde, ele veio a entender a mensagem: “As pessoas estão envelhecendo, algumas com mais de 90 anos, e precisavam dessa segurança, de ter uma casa própria. Sabemos que nenhuma política vai repor o que eles perderam na vida. Mas a regularização não é apenas um título de propriedade, o escopo da lei lhes garante cidadania. Precisávamos resolver essa questão humanitária”, esclarece o diretor. O título será entregue ao morador sem custo algum para o registro e a escritura do imóvel.

Getúlio cita Bacurau, um conhecido militante do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan): “A riqueza e a pobreza são irmãs gêmeas. Onde houver riqueza, não há hanseníase”. Segundo ele, essa luta pela causa da hanseníase é pautada pela melhoria das condições de vida das pessoas.

Parte da história da comunidade é lembrada por Cordovil Neves de Souza, o Vila, membro do Morhan e morador da região. “As colônias foram locais de isolamento; as pessoas chegaram e, por preconceito e estigma, mesmo depois que acabou a segregação compulsória (final dos anos 80), ficaram e reconstruíram suas vidas como puderam, fizeram seus lares”, conta. Vila pondera que este é um momento histórico, que irá garantir a propriedade para essas pessoas e seus herdeiros: “A comunidade será incorporada ao município de Betim e a mudança permitirá à Fhemig se concentrar mais na assistência aos pacientes e ex-internos, que é sua verdadeira finalidade. Esperamos que isso contribua ainda mais para a melhoria desse trabalho”, conclui.

Casa de Saúde Santa Izabel
A Casa de Saúde Santa Izabel hoje é referência regional em reabilitação, cuidados prolongados e atenção aos pacientes crônicos e idosos. Conta com uma equipe multidisciplinar focada nesse perfil assistencial. São fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, assistentes sociais, dentistas, nutricionistas, enfermeiros, geriatras, especialistas em hanseníase, cardiologistas, ortopedistas, entre outras áreas e especialidades. A CSSI oferece ainda, além da assistência ambulatorial, os serviços de Sapataria Ortopédica, assistência laboratorial, Cuidados de Feridas, cirurgias gerais e plásticas, pronto atendimento de urgência e internações para intercorrências clínicas (22 leitos). É também referência em atendimento de urgência para a comunidade em seu entorno.