Fhemig alerta a sociedade para a necessidade de uma mudança de comportamento em relação aos agentes causadores de queimaduras, em especial, o álcool líquido

Campanha de Combate a Queimaduras
Foto: Rosemeire Carvalho
Mascote da Campanha de Combate às Queimaduras, Médicos do Barulho e Corpo de Bombeiros sairam às ruas para alertar a população quanto à importancia da prevenção
 

O pedreiro Ernani da Silva e o servente de pedreiro Waldiney Mateus dos Santos não se conheciam até darem entrada na Unidade de Tratamento de Queimados Professor Ivo Pitanguy do Hospital João XXIII da Rede Fhemig. Há pouco menos de três semanas o dia seis de junho (Dia Nacional de Luta contra as Queimaduras) não tinha nenhum significado especial para eles. Hoje, é uma data da qual irão se lembrar por muito tempo, uma vez que ambos foram vítimas de acidentes envolvendo o álcool líquido.

Ernani, de 42 anos de idade, teve 75% do corpo atingido ao cair sobre a churrasqueira, logo após tropeçar e entornar sobre si álcool líquido, enquanto Waldiney, de 20 anos de idade, teve o rosto, o tórax e o braço esquerdo queimados ao ser atingido por uma explosão. Nos dois casos, as queimaduras foram de segundo grau. Ernani foi submetido a diversas cirurgias para a realização de enxertos. Waldiney teve um pouco mais de sorte, embora o risco a que se expôs tenha sido, potencialmente, maior. Sem perceber, ateou fogo a uma garrafa plástica contendo álcool líquido que estava junto com o lixo que ele pretendia queimar. Em questão de segundos, a garrafa explodiu como se fosse uma bomba e o atingiu.

Infelizmente, estas não são ocorrências isoladas, pois o hospital recebe, em média, 100 pacientes queimados por dia, entre novos, retornos e internados. Estes casos corroboram os dados do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital João XXIII que mostram que a maioria dos pacientes da Unidade de Tratamento de Queimados é do sexo masculino (62,5%), com uma média de idade de 29 anos. Em geral, eles são vítimas de queimaduras de segundo grau profundo para terceiro grau. Neste momento, dos 26 leitos da unidade, 22 estão ocupados, dos quais oito por crianças.

Áreas atingidas

As áreas mais atingidas são o tórax anterior, os membros superiores e a cabeça. Em média, os pacientes permanecem internados por 23 dias. Em torno de um quarto, ou 15% das pessoas acometidas, morrem em razão das queimaduras, sendo que o álcool é o principal responsável pelo total de mortes em mais de 50% dos casos.

Questão sociocultural

O chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados, Carlos Eduardo Guimarães Leão, ressalta que a queimadura é um problema mais sociocultural que médico, já que em nenhum outro país do mundo, o álcool é responsável por um número tão expressivos de acidentes.

Ele também alerta que os meses de junho e julho representam os momentos mais críticos do ano, haja vista que há um aumento de 12% a 15% do número de vítimas habituais. Isto devido às características deste período em que ocorrem, tradicionalmente, as comemorações das festas juninas que se estendem até julho.

Ainda de acordo com Carlos Eduardo Leão, somente a inclusão na grade curricular das escolas de ensino fundamental de uma disciplina voltada à prevenção de acidentes, “colocaria fim a essa falta da cultura do perigo que caracteriza nosso povo, mesmo aqueles mais bem inseridos social e economicamente”, pontua.

Para se ter uma ideia da dimensão social, econômica e de saúde representada pelas queimaduras, basta comparar o número de vítimas da violência urbana no Brasil, nos últimos 30 anos, com o número de pessoas queimadas, em apenas um ano, no país. Em três décadas, um milhão de pessoas pereceram em razão da violência, enquanto em 12 meses, o mesmo número, tiveram seus corpos queimados, o que gerou incapacidades, lesões graves responsáveis por sequelas funcionais e estéticas e óbitos. Além disso, os gastos de hospitalização das vítimas somaram R$ 7.481.352,35 somente em 2011.

Álcool líquido

Deste total, 20%, ou seja, 200 mil casos, ocorreram em razão de acidentes com álcool líquido em todo o país. Em Belo Horizonte, o percentual é ainda maior. Somente em maio deste ano, 50% dos casos de queimaduras atendidos no Hospital João XXIII tiveram o álcool líquido como agente causador. Ele também é o responsável pelas queimaduras mais extensas e pela maioria dos óbitos. Diante deste quadro desolador, fica ainda mais evidente a necessidade de campanhas de prevenção e de leis que proíbam o comércio varejista dos produtos inflamáveis, em particular, do álcool líquido, como forma eficaz de reduzir a morbidade e a mortalidade decorrentes das queimaduras.

Outro dado que deve ser destacado em relação ao álcool líquido é o seu uso em ocorrências de tentativas de autoextermínio. O Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do HPS registrou uma taxa anual de 18% destes eventos, com uma prevalência de 95% do álcool líquido como agente e uma taxa de mortalidade de 60%.

O álcool líquido é usado em larga escala como produto de limpeza em um grande número de lares brasileiros, devido à crença equivocada de que ele tem ação desinfetante. Daí a dificuldade enfrentada pelas autoridades que promovem campanhas, diante da resistência da população em deixar de utilizar o produto em seu cotidiano, paralelamente à recusa das indústrias envasadoras que se negam a deixar de produzir e agem judicialmente (por meio de liminar) para assegurar o direito de produção.

Proibição

Em 20 de fevereiro de 2002, portanto há mais de 10 anos, o álcool líquido foi proibido de ser comercializado no varejo, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). No entanto, a proibição foi revogada devido a uma liminar concedida à indústria envasadora e o produto voltou a ser vendido em todo o país.

A Sociedade Brasileira de Queimaduras, por meio de pesquisa em 56 centros de queimados, constatou que, durante a vigência da proibição, houve uma queda de 60% do número de acidentes com álcool (com queda maior entre as crianças) e uma redução de 26% da gravidade das queimaduras.

Crianças

Estatisticamente, em território nacional, a cada ano, em média, 10% dos adultos e 5% das crianças, internados em hospitais, morrem vítimas de queimaduras graves (que atingem mais de 25% do corpo, independente do grau das lesões). Isso significa que, entre as principais causas externas de morte, as queimaduras ficam atrás somente dos acidentes de trânsito e dos homicídios.

Somente em Belo Horizonte, 43% das vítimas atendidas na Unidade de Queimados do Hospital João XXIII eram crianças entre zero e dez anos de idade. Nesse contexto, o ambiente doméstico é o local onde ocorrem mais da metade dos acidentes, sendo a cozinha o cenário de 80% dos casos. Até os quatro anos de idade, as crianças são vítimas de queimaduras decorrentes de escaldadura (decorrente da ação de líquidos superaquecidos).

No ano passado, em todo o país, segundo o Ministério da Saúde, 2.374 crianças foram hospitalizadas vítimas de queimaduras por exposição ao fogo, fumaça e chamas. As substâncias inflamáveis (o álcool preponderantemente) foram responsáveis por 30% das queimaduras.

Demais agentes

No ranking dos principais agentes causadores de queimaduras, logo após o álcool líquido, vem os líquidos superaquecidos, em particular a água e o óleo. Em seguida, a chama direta. Também merecem atenção os acidentes com fogos de artifício, causados pelo manuseio inadequado desses artefatos, em muitos casos, associado à embriaguez.

Primeiros socorros

Diante de uma pessoa queimada, deve-se, imediatamente, afastá-la do agente causador. Em seguida, caso a roupa esteja queimada, ela deve ser retirada. Após essas medidas iniciais, a pessoa deve ser colocada em água fria e corrente (ou colocar sobre ela uma toalha embebida em água fria) e encaminhá-la imediatamente ao hospital. Para que não haja o agravamento do quadro de saúde da vítima, é fundamental que, em hipótese alguma, seja utilizado outro produto que não seja a água pura e fria, pois se dificulta o trabalho do médico para identificar a área queimada, bem como a profundidade da lesão.

Medidas preventivas

Segundo a Sociedade Brasileira de Queimados, cuidados simples, incorporados ao dia a dia das pessoas, são capazes de evitar queimaduras. Assim, as crianças não devem ficar sozinhas em casa. O botijão de gás deve, sempre, ser trocado em ambiente aberto. Nunca se deve usar produtos inflamáveis, em especial o álcool líquido, bem como produtos químicos em casa, além de ter máximo cuidado ao fazer a manutenção da instalação elétrica. Nesse último caso, o mais adequado é que sejam utilizados os serviços de um eletricista.

Mascote da campanha

Pelo segundo ano consecutivo, o técnico em enfermagem, Fernando Venâncio, de 27 anos de idade, veste-se de “Chaminha”, o mascote da campanha de alerta promovida pela Fhemig. Em seu primeiro ano de vida, Fernando foi vítima de queimaduras de terceiro grau, ao derrubar sobre a cabeça e o rosto uma panela com óleo quente.

Hospital referência

O presidente da Fhemig, Antônio Carlos de Barros Martins ressalta que a missão do Hospital João XXIII é atuar como referência e excelência no atendimento a pacientes vítimas de politraumatismo, grandes queimados, intoxicações e situações clínicas e cirúrgicas de risco iminente de morte.

O diretor da unidade, Eduardo Liguori Cerqueira, lembra que o João XXIII é o maior hospital de trauma de Minas e um dos maiores do País. O investimento de R$51 milhões em obras e para a compra de equipamentos de última geração proveram a unidade de uma tecnologia de ponta, o que assegura mais segurança e conforto para o paciente, além de permitir melhores condições de trabalho para todos profissionais.

Unidade de Tratamento

A Unidade de Tratamento de Queimados Professor Ivo Pitanguy, do Hospital João XXIII, é referência nacional e maior centro de queimados da América Latina. No 8º andar, estão disponíveis 26 leitos e no 9º andar, nove leitos se destinam ao tratamento intensivo.

A unidade também conta com um bloco cirúrgico com duas salas de cirurgia e uma sala de recuperação anestésica, com infraestrutura composta por aparelhos modernos. Além disso, as enfermarias estão equipadas com camas elétricas para o maior conforto e segurança dos pacientes e os banheiros seguem as normas da ANVISA.

A equipe multiprofissional é composta por cirurgiões plásticos, médicos clínicos, pediatras, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, psicólogos, enfermeiros e técnicos em enfermagem, assistentes sociais e fonoaudiólogos.