Obesidade infantil, Neurologia Pediátrica, Puericultura no Século XXI e Alergia Alimentar são alguns dos temas em debate na II Jornada de Atualização Pediátrica que será aberta, nesta quinta-feira, 17 de novembro, na Faculdade de Medicina da UFMG e se estende até o dia 19. O evento, promovido pelo Hospital Infantil João Paulo II, da Rede Fhemig, tem como conferencistas pediatras de renome nacional e marca a comemoração do centenário do primeiro atendimento no hospital. Voltado para os profissionais de saúde, o tema da Jornada, este ano, aborda a contribuição das especialidades pediátricas na pediatria geral.
Uma pesquisa científica, ainda inédita no Brasil, vem sendo desenvolvida pelo Hospital Infantil João Paulo II, da Rede Fhemig, envolvendo crianças e adolescentes com alergia ao leite de vaca. Estes pacientes, que têm reações imediatas quando consomem o leite, estão recebendo, de forma segura e controlada, pequenas doses do antígeno, que é a proteína do leite de vaca, para induzir o organismo à tolerância do alimento. Em alguns países, já há pesquisa nessa linha com resultados promissores.
Coordenada pelo pneumologista pediátrico, Wilson Rocha Filho, a pesquisa científica com pacientes na faixa etária de 1 a 15 anos, é realizada por um grupo multidisciplinar do Ambulatório de Alergia Alimentar do hospital, integrado por gastroenterologista, pneumologista, alergista, nutricionista, psicólogo e assistente social. O ambulatório, criado em 2008, atende de 12 a 15 crianças, com alergia alimentar, por semana.
O leite de vaca está entre os principais alimentos que provocam alergia alimentar ao lado do ovo, soja, trigo, amendoim, peixe e crustáceos. Na falta do leite materno, é o principal alimento das crianças nos primeiros anos de vida, a situação se torna delicada já que a única alternativa é sua exclusão imediata da dieta. Por outro lado a substituição do leite por outro alimento de valor nutricional semelhante não é tarefa fácil, sobretudo para a família. A alergia alimentar é um desafio diário para os médicos, sobretudo os pediatras, já que o único tratamento disponível até o momento é a suspensão do alimento envolvido.
Na prática, o leite materno nos primeiros anos de vida é a principal e única prevenção da alergia alimentar, como destaca a gastroenterologista pediátrica, Suzana Fonseca de Oliveira Melo, do Hospital João Paulo II. Ela assinala que, além de afastar o leite de vaca, o aleitamento adia a introdução na dieta da criança, dos alimentos sólidos, sobretudo os industrializados, facilitadores de alergia. A partir dos 3 anos, aproximadamente 85 por cento das crianças desenvolvem tolerância aos alimentos que antes causavam alergia.
De acordo com a gastroenterologista Suzana Fonseca, a alergia alimentar atinge de 5 a 6 por cento das crianças abaixo de 3 anos. A partir desta idade, o índice cai para 3 a 5 por cento. Ela explica que a alergia alimentar, é uma reação adversa a determinado alimento e envolve um mecanismo imunológico. É uma resposta exagerada do organismo a determinada substância presente nos alimentos. As reações vão de uma simples coceira nos lábios até as mais graves que podem comprometer vários órgãos. As mais comuns envolvem a pele como urticária, inchaço, coceira generalizada, eczema, manchas e placas vermelhas no corpo. Já os sintomas digestivos se evidenciam em diarreia, vômito, dor abdominal e sangue nas fezes. As reações se manifestam também no aparelho respiratório provocando tosse, rouquidão, e chiados no peito. Podem ocorrer ainda aperto no peito, com queda da pressão arterial, arritmias cardíacas e colapso vascular, ou choque anafilático com alto risco de morte.
Fatores de risco. Pacientes com doenças alérgicas em geral apresentam uma maior incidência de Alergia Alimentar sendo encontrada em 38% das crianças com Dermatite Atópica e em 5% das crianças com asma. A predisposição genética também tem um grande peso. Se o pai e a mãe são alérgicos, a probabilidade de terem filhos alérgicos é de 75%.
Estudos indicam que de 50 a 70% dos pacientes com Alergia Alimentar possuem história familiar de alergia, cujos casos vem aumentando ao longo dos anos. Segundo a gastroenterologista pediátrica, Suzana Fonseca, uma das teorias que explicam este aumento é o da higiene exagerada, com o uso indiscriminado de produtos químicos ao lado do consumo frequente de alimentos industrializados.
Uma em cada 3 crianças de 5 a 9 anos, no Brasil, está acima do peso normal para a idade.De acordo com dados divulgados no ano passado pelo IBGE, a obesidade nos meninos gira em torno de 20 por cento e nas meninas 15 por cento. O problema é igualmente grave na faixa etária de 10 a 19 anos.
O endocrinologista pediátrico Cristiano Túlio Maciel Albuquerque, dos hospitais João Paulo II e das Clínicas, explica que as mudanças nos hábitos alimentares em meio à ampla oferta de produtos altamente industrializados e supercalóricos, no País, tiveram peso decisivo no avanço da obesidade nas crianças e adolescentes brasileiros. "Os produtos ultraprocessados como balas, chocolates, refrigerantes, biscoitos recheados e sorvetes com gorduras, corantes, conservantes e açúcares devem ser evitados, ao máximo, na alimentação das crianças, assim como salgadinhos tipo chips e as frituras", afirma o médico.
Refrigerante, o pior inimigo. O endocrinologista Cristiano Túlio assinala que entre os produtos altamente industrializados, o pior deles é o refrigerante que deve ser totalmente proibido para as crianças de até 2 anos. Na faixa etária de 2 a 4 anos ainda se deve evitar, ao máximo, e a partir dos 4 anos, o consumo deve ser mínimo. Segundo o médico, deve se dar preferência ao refrigerante zero açúcar ou light. Embora seja composto pelas mesmas substâncias químicas do refrigerante comum, têm menos calorias. O médico esclarece, também, que os produtos light e diet, ao contrário do que se imagina, não são mais saudáveis, mas trazem redução calórica, desde que usados em quantidade moderada.
Vida sedentária. Em tempos em que os principais meios de diversão de crianças e adolescentes são o computador, o videogame e a TV, o sedentarismo têm contribuído cada vez mais para a obesidade infantil. Se antes as crianças gastavam as energias, se exercitavam, naturalmente, nos jogos e brincadeiras em quintais, ruas e praças, hoje são obrigadas a frequentar clubes e academias em atividades elaboradas. Ao mesmo tempo como observa o endocrinologista Cristiano Túlio Maciel, o espaço de lazer, em boa parte, foi transferido para os shoppings centers onde as crianças acabam exagerando nos fast-foods.
Hereditariedade. Além de engordarem por causa da má alimentação e do sedentarismo, as crianças que têm um dos pais com obesidade apresentam 40 por cento de chances de se tornarem obesas. Se os dois têm excesso de peso, os riscos aumentam para 80 por cento. Neste contexto, conforme assinala o endocrinologista pediátrico "é necessário que os pais façam uma reeducação alimentar, tenham uma dieta saudável, para que os filhos sigam o exemplo". Ele alerta que se não houver uma mudança nos hábitos "as crianças obesas, em sua grande maioria, vão ser tornar adultos obesos".
Por outro lado, o médico esclarece que nem todo adulto obeso foi uma criança obesa. Em meio à influência dos pais e do ambiente a criança com excesso de peso aos 2 anos, tem aproximadamente 35 por cento de chance de permanecer obesa na idade adulta. Se aos 10 anos, ela continuar da mesma forma, esse percentual aumenta para 80 por cento. Os especialistas são unânimes em afirmar que os hábitos de vida e alimentação adquiridos pelas crianças ao longo dos anos, dificilmente, serão modificados mais tarde.
Saúde comprometida. O endocrinologista Cristiano Túlio explica que desequilíbrios provocados pela obesidade podem se manifestar já na infância e, fatalmente, têm desdobramentos na idade adulta desencadeando pressão alta, diabetes, problemas cardíacos e distúrbios do sono como ronco e apneia. Os riscos de problemas ortopédicos também são grandes já que com o excesso de peso, as articulações se desgastam mais.
Danos emocionais. Além dos prejuízos ao organismo, a obesidade tem sérias consequências na vida emocional da criança e do adolescente, como alerta o endocrinologista. "As crianças obesas estão mais sujeitas a serem vítimas de bullying, diante das provocações de colegas, sobretudo de escola, podendo chegar à depressão". O médico observa também que, por não ter a mesma agilidade que as demais, a criança com excesso de peso é discriminada em jogos e brincadeiras e acaba sendo isolada pelos colegas. O preconceito derruba a autoestima da criança que pode ter problemas psicológicos sérios.
Cristiano Túlio explica que o profissional mais indicado para fazer o diagnóstico de obesidade e acompanhamento da criança é o pediatra. É ele que, se julgar necessário, indica o endocrinologista ou nutricionista conforme o caso.