Entrevista: Ricardo Costa Val do Rosário, médico da Fhemig que participou da missão no Haiti

Fotos: Arquivo pessoal <BR /> Ricardo Costa Val com equipe e paciente no Haiti
Fotos: Arquivo pessoal
Ricardo Costa Val, segundo da esquerda para a direita, com equipe e paciente no Haiti

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ricardo Costa Val do Rosário, cirurgião cardiovascular do Hospital João XXIII, passou cerca de 15 dias em Les Cayles, cidade a 200 km de Porto Príncipe, capital do Haiti, atendendo a centenas de vítimas do terremoto que assolou este país. Leia a integra da entrevista:

 Site Fhemig: Além do senhor, foi mais algum médico da Fhemig para o Haiti nesta ocasião? Quantos?

 Ricardo Costa Val do Rosário: Na Missão que estava não havia nenhum médico de Minas Gerais. Éramos de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Santa Catarina e Sergipe. Mas tive conhecimentos de que outros médicos, inclusive da FHEMIG, estavam em atuando em outras equipes no Haiti.

SF: De onde partiu esta iniciativa? O senhor foi convidado ou se ofereceu como voluntário?

RCV: A vontade de ajudar partiu de mim mesmo. Desde jovem faço trabalhos voluntários em diferentes níveis. Há cinco anos sou médico da Arquidiocese de Belo Horizonte e atendo pessoas carentes e pobres no ambulatório da Igreja. Já em relação ao Haiti, desde o terremoto comecei a "correr atrás" de meios de me fazer presente do Haiti, me voluntariando. Já fui aprovado, em todas as etapas, para o quadro de médicos do Medicins San Frontieres - Bélgica, mas não pude ir para o Haiti por uma questão de logística do Órgão. Graças a Deus, fui selecionado dentre vários para ir então pela Associação Médica Brasileira. 

SF: Quais as datas de sua ida e volta para o Haiti? Onde o senhor ficou?

RCV: Saímos do Brasil dia 12 de fevereiro, passamos por Lima - Peru, depois Panamá - Panamá e chegamos em Santo Domingo - República Dominicana no dia 13, quando então fomos de ônibus para Porto Príncipe - Haiti e finalmente em Les Cayles, a 200 km da Capital. Saímos de Les Cayles dia 28 de fevereiro e fizemos o mesmo caminho de volta, chegando ao Brasil dia 02 de março.
 
No Haiti ficamos no Hospital Brenda Strafford - Canadense, que era especializado em cirurgias otorrinolaringológicas e oftalmológicas, mas devido ao terremoto foi completamente tomado pelas milhares de vítimas. Lá ficávamos em barracas ou quartos improvisados.

SF: Qual foi sua primeira reação ao se deparar com a situação das vítimas?

RCV: A primeira sensação foi de pequenez completa. Ver o que é um terremoto de perto aumentou ainda mais a certeza do poder da natureza e de que não somos absolutamente nada. Que, de um instante para outro tudo, absolutamente tudo acaba!
Porto Príncipe é uma cidade duas vezes maior do que Belo Horizonte e simplesmente 70% da mesma caiu no chão. São km e km de absolutamente nada, exceto pedra sobre pedra. É assustador ainda andar em estradas "rachadas", entre montanhas desmonorando. O Haiti foi devastado de fato. Só para se ter ideia do que falo, em uma cidade de 45 mil habitantes, morreram 39 mil na hora do terremoto. Em Porto Príncipe morreram, também em virtude do tremor de terra, 600 alunos, dos 700 que estudavam na Faculdade de Medicina e morreram todos os alunos e funcionários da Faculdade de Engenharia. Não conheci nenhum Haitiano vindo da capital e arredores, dentre as centenas, que não perdeu menos do que dois parentes próximos em consequência da catástrofe. Dá para imaginar o que é isso?
 
A seguir me veio a sensação de desigualdade extrema. Sai do Brasil na véspera do carnaval, aonde tudo "é festa" e me vi no meio da miséria extrema. Crianças brigando com adultos no meio do esgoto por dois biscoitos que cairão no chão. Mulheres disputando vegetais com porcos e cabritos. Homens andando com estes mesmos animais amarrados como se fogem cachorrinhos de estimação para não perderem a única fonte de carne e leite. A miséria chega a doer, nos faz repensar nessa desigualdade do mundo em que vivemos. Não consigo mais deixar de imaginar as cenas de miséria que vi. O mau cheiro, montanhas de lixos, pessoas se alimentando de comida podre, moscas, baratas e mosquitos aos milhares, rios, praias e montanhas completamente poluídos de garrafas pets. Não dá para esquecer e de agradecer por nossas vidas.   

SF: Sua experiência no atendimento a traumas, no Hospital João XXIII, foi importante neste caso? Existem semelhanças?

RCV: Foi muito importante, foi essencial. Apesar de ser especializado como angiologista - cirurgião cardiovascular e cirurgião vascular, sou também cirurgião geral e como tal, ficava entre 8 a 12 horas por dia, todos os dias fazendo inúmeros procedimentos. Realizei amputações, correções cirúrgicas de escaras enormes, desbridamentos de infecções extensas, dissecções venosas, acessos vasculares especializados, enxertias de pele, desbridamentos de queimaduras. Ajudei meus colegas ortopedistas nas correções de fraturas, nas avaliações clínicas e na palpação de pulsos arteriais.
 
Apesar de ter adquirido ao longo destes 15 anos de HPS - João XXIII, grande experiência com o Trauma, particularmente o Cardiovascular, uma das características das vítimas de terremoto é o fato de que elas tem, na grande maioria das vezes, diversos tipos de lesões espalhadas pelo corpo. Não foi incomum atender uma pessoa com amputação de perna, de dedos da mão e ainda ter uma escara sacral por estar paraplégica ou ainda realizar enxerto na mão de uma criança com queimadura no dorso e fratura na perna. Entende?. São todos com politraumatismos graves e muito, mas muito serviço médico, de enfermagem, de fisioterapia, de suporte nutricional e psicológico há para ser feito por muito tempo ainda. 

SF: Quais eram os casos mais frequentes? Qual sua média (número de pacientes) de atendimento?

RCV: Nestes 15 dias que atuamos lá fizemos uma média de 8 a 12 cirurgias por dia, atendemos entre 40 a 60 pessoas nos ambulatórios, todas vítimas de terremotos. Mas está aumentando muito os casos de trauma civil por acidente de motocicletas e de violência interpessoal devido ao caos social e precariedade da sociedade, que se instalou após o terremoto.  O fluxo migratório no sentido capital interior é impressionante. As pessoas se amontoam em caminhões, carroças para procurarem assistência médica. É comum vermos 3, 4, 5! pessoas numa moto, todas sem capacete. Daí se pode imaginar o que irá acontecer.

SF: Quais eram os recursos que os médicos - e outros profissionais da saúde - dispunham para o atendimento?

RCV: A Missão da AMB levou grande parte do que usou. Disponhamos ainda de suporte de um almoxarifado central mantido pela ONU que nos fornecia soro, medicamentos, luvas etc. Mas tivemos que improvisar. Os anestesiologistas não tinham oxigênio suficiente como aqui e por vezes se fazia oxigenação manual. Enfim, trabalhávamos em condições bastante inferiores do que estamos acostumados no HPS João XXIII. Apesar de termos muita coisa a ser aperfeiçoada no nosso hospital, justiça seja feita, temos sim, um centro de excelência em trauma e é quando estamos em situações que vivenciei que temos a certeza disso.  

SF: Como o senhor avalia sua participação?  

RCV: Como médico: fiz aquilo que me propus a fazer quando criança. Ajudar ao próximo acima de tudo, dentro das minhas possibilidades.
Como homem: aprendi a valorizar ainda mais minha vida.
Como cristão: fiz minha obrigação.
 

SF: Qual a sua trajetória na Fhemig?

RCV: Sou Cirurgião Cardiovascular do Trauma na Fundação desde 1997, servidor público e um dos mais "experientes" da equipe de Cirurgia Cardiovascular. Realizei mais de 600 operações no HPS João XXIII ao longo destes anos e me orgulho de ser membro da família "João XXIII". Como em qualquer relação de anos, tenho grandes amigos na Instituição e passei por momentos de altos e baixos mas quero progredir na equipe, fortalecendo-a seja na esfera assistencial como também administrativa-chefia. Participo na formação dos médicos residentes e acadêmicos e contribuo para o progresso científico da FHEMIG. Atualmente dou plantão noturno toda segunda- feira e vou todos os dias de semana no Hospital assistir aos doentes da enfermaria internados pela Cirurgia Cardiovascular. Enfim, levo muito a sério minha carreira na FHEMIG. 

Galeria de imagens:

O médico registrou o terror que viveu o Haiti
O médico registrou o terror que viveu o Haiti

As vítimas de terremoto sofrem diversos tipos de lesões espalhadas pelo corpo
A equipe realizou uma média de 8 a 12 cirurgias por dia

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"Estradas rachadas" mudam paisagem

As cidades foram reduzidas a escombros
As cidades foram reduzidas a escombros

O Haiti vive momentos de extrema miséria e sujeira nas ruas
O Haiti vive momentos de extrema miséria e sujeira nas ruas

 

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