Receptores de órgãos transplantados agradecem doadores

Os médicos Roberto Marini e Cláudia Botelho, à direita no palco, falam sobre seus próprios transplantes e incentivam a doação de órgãos <BR /> Foto: Rosemeire Carvalho
Os médicos Roberto Marini e Cláudia Botelho, à direita no palco, falam sobre seus próprios transplantes e incentivam a doação de órgãos
Foto: Rosemeire Carvalho

Na semana em que se comemora o Dia Nacional da Doação de Órgãos, a Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) e a Assessoria de Humanização do Hospital João XXIII convidaram a pneumologista Cláudia Myriam Botelho e o epidemiologista da Rede Fhemig, Roberto Marini, para uma palestra no auditório do hospital, ontem (26/09). Mas eles não foram convocados para falar como médicos e sim como pacientes, pois ambos foram receptores de órgãos transplantados e compartilharam com o público as experiências que viveram.

 


Cláudia já passou por dois transplantes de coração: um realizado há sete anos e outro em maio deste ano. Em seu relato emocionado, falou sobre a transformação que ocorre na vida de quem se vê diante da morte e recebe uma segunda chance de continuar a vida. "É uma sensação muito boa, mesmo com todas as intercorrências. Quando a gente passa por um transplante, começa a valorizar mais as pequenas coisas boas da vida, essas coisas vão adquirindo mais importância e não há mais tempo para se preocupar com bobagens", afirma. Ela foi operada pela mesma equipe médica nas duas ocasiões e conta que teve confiança de que estava em boas mãos, mesmo sabendo que ninguém é infalível. "A equipe funciona muito bem, pois as pessoas estão muito empenhadas", elogiou.

 

 

Gratidão


A médica agradeceu a todos que estiveram perto dela nos momentos difíceis - família, amigos e todos que torceram por sua recuperação-, mas fez um agradecimento especial às famílias dos doadores, que têm um papel fundamental no processo e que merecem todo seu respeito e gratidão. "A pessoa sai de dentro da própria dor e ainda é capaz de pensar no sofrimento do outro. A gente passa a olhar essas pessoas de um jeito diferente", declara. Para ela, quem doa os órgãos de um parente tem a alegria de saber que uma parte da pessoa proporciona uma chance de vida para alguém. "Quem não doa, fica só com a perda", lamenta.


Há 13 anos Roberto Marini recebeu um rim de seu irmão, porque tinha uma doença autoimune. "Tive uma evolução muito desfavorável e em um ano e meio tive que fazer o transplante", conta. Seus quatro irmãos se prontificaram a fazer os testes e, por ironia do destino, o mais compatível foi exatamente aquele com quem ele não estava se relacionando muito bem. O transplante foi um sucesso e o apoio de todos foi fundamental e refletiu positivamente para sua recuperação.


Marini lembra que o doador vivo sofre mais que o receptor e que o processo de doação entre-vivos não é simples, o que valoriza ainda mais esse gesto. "É um processo muito bonito", avalia. Ele também passou a ver a vida com outros olhos. "Você muda a lógica da sua vida e passa a fazer planos mais curtos".


Para a coordenadora da UTI do João XXIII, Daniela Pagliani Oliveira, o evento foi um momento muito feliz, pois mostrou que independentemente da posição social que ocupa ou de qualquer outro fator, a condição humana torna todos iguais. "Todo mundo realmente é igual. Somos todos protagonistas da história da humanidade", disse.

 

Relação médico/paciente


Na relação com seus pacientes, a experiência do transplante mudou o comportamento dos dois médicos. Cláudia passou a ficar mais atenta à necessidade de falar com as pessoas com mais delicadeza sobre a doença. "Os pacientes sentem uma cumplicidade ao saber que eu também sou transplantada", conta.


Lembrando a dificuldade que é estar num CTI, onde facilmente se perde a noção do tempo, Marini diz que percebeu a necessidade de informar mais o paciente sobre o ocorre à sua volta, para dar a ele uma noção melhor do tempo e do espaço em que se encontra. Como ele sentiu a vontade de consultar outro médico para ouvir uma segunda opinião sobre seu caso, passou também a respeitar a decisão de seus pacientes que manifestavam esse desejo.

 

Portas abertas


As CIHDOTTs são encarregadas da notificação dos casos de morte encefálica para as Centrais de Notificação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO) e pelo trabalho de abordagem junto às famílias para solicitar a doação. As equipes trabalham dentro dos hospitais, agilizando a captação de possíveis doadores, através da busca ativa.


A médica Milza Januário, presidente da CIHDOTT do Hospital João XXIII e uma das organizadoras do evento, relata o registro do primeiro caso (ocorrido em agosto) em que foi possível captar um doador ainda no setor de politraumatizados do hospital, mesmo sendo bastante complexo o processo para manter o paciente e preservar os órgãos. "Muitas portas estão se abrindo para captarmos mais", afirma.


Ela comemora os avanços alcançados pela equipe multidisciplinar, que representa a humanização no relacionamento com as famílias e se refletem no aumento do número de transplantes realizados no estado. "Abordar a família é dar a ela uma oportunidade de minimizar seu sofrimento, sabendo que sua perda representa a continuidade de uma outra vida", analisa.