Fhemig investe na desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos

 

Arquivo ACS
CHPB em Barbacena

 

 

Desde os anos 70, com o advento da reforma psiquiátrica no Brasil, e o consequente surgimento do movimento conhecido como Luta Antimanicomial, que não toleraria mais políticas segregatórias de portadores de sofrimento mental nas instituições, os hospitais psiquiátricos vêm passando por um processo de desinstitucionalização. A Fhemig insere-se neste contexto, sendo pioneira em nível nacional em ações referentes ao movimento, e realizando atualmente um intenso trabalho em suas unidades de saúde mental, que consiste em identificar as necessidades clínicas e sociais de cada usuário, objetivando sua retirada do ambiente hospitalar.

 

A desinstitucionalização é uma aposta na socialização e na criação de autonomia do usuário, mas para que ela seja bem sucedida, vários fatores estão envolvidos. O apoio familiar, quando este vínculo existe, a tutela do Estado, a criação dos serviços substitutivos, entre outros equipamentos sociais, facilitam para que este processo encaminhe da melhor maneira para todas as partes, com a maior adaptação e menor sofrimento possíveis. “Quando se passa a enxergar que os pacientes são cidadãos perfeitamente capazes de viver fora do hospital psiquiátrico, devem ser oferecidas as condições propícias para que isto aconteça, sendo cada caso analisado separadamente por meio de um Plano Terapêutico Singular (PTS).”, explica a assessora técnica da Dirass, Maria do Carmo. “O PTS permite identificar as demandas e possibilidades de cada pessoa e para cada uma delas. Assim, são pensadas e planejadas as propostas que cabem para cada um, de acordo com sua individualidade e singularidade”, completa o diretor da unidade, Wander Lopes da Silva.

Serviços Substitutivos

Quando recebem alta da internação hospitalar, os usuários têm acesso aos serviços substitutivos, que funcionam como uma extensão da rede de saúde mental. Caso os vínculos familiares dos usuários não sejam localizados pelas equipes responsáveis, eles podem ser encaminhados para as residências terapêuticas extramuros existentes no município, criadas pelo poder público em parceria com entidades não governamentais – só em Barbacena, já são mais de 30 unidades, que possuem o ambiente e aconchego de um lar.

No Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, outra opção de destino tem sido as residências existentes dentro da área da própria instituição, criadas pela dificuldade para a efetivação de algumas altas. O projeto, denominado “CASA LAR”, institui módulos residenciais intermediários, e permite que alguns usuários vivam em ambientes domiciliar, ainda que dentro da grande instituição. Segundo o diretor, mais casas serão implementadas nos próximos meses. “O termo CASA se refere à estrutura física, e LAR está associado à sensação de segurança, conforto e pertencimento. Nestas casas, as moradoras podem, por exemplo, cuidar de si: pentear o cabelo, passar esmalte, lavar as próprias roupas e cuidar do jardim”, exemplifica Wander.

De acordo com o processo de reestruturação da assistência, entre os anos de 1997 a 2016, 17 pessoas tiveram alta e retornaram ao convívio familiar e outras 150 pessoas, no período de 2001 a 2016, foram transferidas para as residências terapêuticas, fruto do trabalho de uma equipe que entende seu papel e sua responsabilidade perante os moradores da Instituição.

 

Arquivo CHPB
Senhoras ganham autonomia em uma CASA LAR

 

Remanescentes

Hoje, ainda há 149 usuários morando no CHPB: são os últimos pacientes, pessoas sem vínculos familiares, deficientes físicos, que necessitam de cuidados especiais ou intensivos. Além disso, há poucas vagas nos serviços substitutivos de Barbacena. Todo este trabalho possui apoio da Administração Central da Fhemig, por meio da Diretoria Assistencial, bem como a Secretaria de Estado da Saúde, que estão atuando juntamente ao CHPB e à Secretaria de Saúde de Barbacena com o intuito de estudar e buscar alternativas para dar celeridade ao processo e promover as altas destas pessoas. “Temos ciência das inúmeras dificuldades enfrentadas pelo município, entretanto não devemos nos furtar a nossa responsabilidade em buscar, para eles, condições melhores de vida”, diz o diretor.

Segundo Maria do Carmo, quanto às residências terapêuticas cheias, é preciso uma articulação inicialmente com a secretaria municipal, para analisar se Barbacena comporta novas casas, e também com municípios vizinhos, com o objetivo de avaliar a disponibilidade em seus serviços. “Enquanto houver um usuário que seja lá, vamos lutar para tirá-lo, pois apesar do tratamento de qualidade que é oferecido, lá não deixa de ser um hospital com caráter de controle para pessoas que podem viver em residências”, avalia a assessora técnica, que põe como meta um período de um a dois anos para a alta de todos os pacientes.

Apesar de seu futuro incerto, os pacientes do CHPB têm acesso às tecnologias mais avançadas de humanização, aliadas a terapias ocupacionais, atividades físicas, dentre outras, colocadas em prática por uma equipe multidisciplinar. “São realizadas práticas terapêuticas, dentro e fora de suas residências. Passeios a parques, pesque-pague, clubes e restaurantes da região são atividades que possibilitam a eles resgatarem o convívio fora dos muros da Instituição”, explica Wander.

Histórico

O CHPB é uma unidade da Fhemig, pertencente ao Complexo de Saúde Mental, especializado em assistência aos portadores de transtornos mentais, tendo iniciado suas atividades em 1903 como Hospital Colônia. Segundo registros históricos, está situado nas terras da antiga Fazenda da Caveira, cujo proprietário foi Joaquim Silvério dos Reis, inconfidente que ficou conhecido pela sua notória traição a Tiradentes.

O Hospital Colônia foi criado com capacidade inicial de 200 leitos, mas com a crescente demanda chegou a abrigar simultaneamente 3500 pacientes nos anos 70, o que tornou a instituição um verdadeiro depositário humano. Problemas graves advindos da superlotação fizeram do hospital um cenário de horror, fase mais complexa da sua história, onde aconteciam mais de mil óbitos por ano, o que equivale a 2,7 óbitos por dia.

A partir do final da década de 70, já sob a administração da Fhemig, é iniciado um processo de reestruturação física e contratação de novos profissionais, com objetivo de promover tratamento mais humanizado, visando a reintegração do paciente ao convívio social. Além dos pavilhões, onde até hoje são abrigados moradores da instituição, estruturas alternativas foram criadas em busca de soluções para os portadores de sofrimento mental oferecendo ambiente adequado a sua recuperação.

Museu da Loucura

Criado em agosto de 1996, por meio de uma parceria entre a Fhemig, CHPB e Prefeitura Municipal de Barbacena, e instalado na própria área do CHPB, o Museu da Loucura é constituído por textos, fotografias e objetos que relatam toda a história do portador de sofrimento mental. O acervo revela, com a ajuda de plataformas interativas e recursos tecnológicos, como era o tratamento do usuário desde a época do Hospital Colônia até os dias pós - reforma psiquiátrica, com os avanços proporcionados pelos serviços substitutivos.

Em maio de 2016, o museu foi reaberto após um longo período de revitalização, que incluiu a reestruturação do prédio, adequação da área física, e ampliação e modernização do acervo.

 

Foto:Anni Sieglitz
Parte do acervo do Museu da Loucura

 

Documentário Holocausto Brasileiro

No dia 20 de novembro, estreou no canal MAX, da HBO, o documentário Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex. A produção é baseada no livro homônimo, lançado pela jornalista e diretora em 2013. O documentário retrata o abandono e condições em que viveram mais de 60 mil pessoas, entre 1903 e 1980, no antigo Hospital Colônia. “Holocausto Brasileiro” conta com depoimentos de ex-funcionários do hospital e pacientes que sobreviveram.   “A produção tem uma importância enorme, para que todos saibam o que aconteceu, e lembrar que algo assim jamais pode ocorrer novamente”, define Maria do Carmo.