Violência contra a mulher: questão de saúde pública

Campanha “Eu ligo 180”, lançada em 2014 pelo Ministério das Cidades, em conjunto com a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal, visa conscientizar sobre a importância de denunciar casos de assédio no trabalho, abuso, exploração sexual ou tráfico de mulheres

O Mapa da Violência divulgado em 2015 revela que – de acordo com registros do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS) – entre 1980 e 2013, morreu um total de 106.093 mulheres, vítimas de homicídio. O número de vítimas passou de 1.353 mulheres, em 1980, para 4.762 em 2013 - um aumento de 252%.

O estudo também apresenta outro indicador diferencial dos homicídios de mulheres: o local onde ocorre a agressão. Para se ter uma ideia, quase a metade dos homicídios masculinos acontece na rua, com pouco peso do domicílio. Já nos femininos, essa proporção é bem menor: mesmo considerando que 31,2% acontecem na rua, o domicílio da vítima é, também, um local relevante (27,1%), indicando a alta domesticidade dos homicídios de mulheres.

Vale destacar ainda que, para as mulheres com idade entre 18 e 59 anos, o agressor principal é o parceiro ou ex-parceiro, concentrando a metade do todos os casos registrados.

Além dos homicídios, as mulheres estão sujeitas a outros tipos de violência no seu cotidiano: sexual, física, psicológica e moral. O Banco Mundial estima que, em média, um em cada cinco dias de absenteísmo do trabalho feminino decorre de violência. “As mulheres agredidas tendem a ser menos produtivas. Além disso, apresentam dificuldade de se relacionar e desenvolvem baixa autoestima. Estão também mais propensas à depressão, ao estresse e a enfermidades crônicas”, explica o diretor da Maternidade Odete Valadares (MOV), Francisco Viana.

Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher

Desde 1999, o dia 25 de novembro foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher. A data ficou conhecida mundialmente por conta do ato de violência cometido contra as irmãs Mirabal: Pátria, Minerva, e Maria Teresa - ativistas políticas na República Dominicana, que foram assassinadas a mando do ditador Rafael Trujillo em 25 de novembro de 1960.

Avanços em relação ao tema

Aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional e assinada em 7 de agosto de 2006, a Lei nº 11.340/2006 – popularmente conhecida como Lei Maria da Penha – tornou-se o principal mecanismo legal para coibir e punir a violência doméstica praticada contra mulheres no Brasil.

O texto estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, deve ser apurado por meio de inquérito policial e ser expedido ao Ministério Público. Também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social.

A lei recebeu este nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, cujo marido tentou matá-la por duas vezes. Durante 20 anos, lutou para ver seu agressor preso.

O governo brasileiro sancionou, neste ano, a chamada Lei do Feminicídio. A iniciativa transforma em crime hediondo o assassinato de mulheres decorrente de violência doméstica ou de discriminação de gênero. O texto modifica o Código Penal para incluir o crime de assassinato de mulher por razões de gênero entre os tipos de homicídio qualificado.

As penas podem variar de 12 a 30 anos de prisão, a depender dos fatores considerados. O projeto prevê ainda aumento da pena em um terço se o crime acontecer durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto, se for contra adolescente menor de 14 anos ou adulto acima de 60 anos ou ainda pessoa com deficiência e se o assassinato for cometido na presença de descendente ou ascendente da vítima.

Outro exemplo de avanço nas discussões sobre o assunto foi a iniciativa recente do Ministério da Educação (MEC) em propor “a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” como tema de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). “Este ano, tivemos essa grata surpresa do MEC em abordar o tema na proposta de redação. Foi muito interessante, pois, de alguma forma, milhões de jovens tiveram que dedicar um tempo para refletir e escrever sobre o assunto. Isso provocou uma repercussão enorme, algo que foi extremamente representativo”, acredita Francisco Viana.

Violência sexual

Sobre a violência sexual, o ginecologista e obstetra da MOV, Ramon Luiz Braga Dias Moreira, afirma que a subnotificação de casos ainda é um grande empecilho para se entender a real dimensão do problema. Isso porque muitas mulheres que passam por tal situação sentem medo e vergonha de denunciar. “Uma em cada quatro mulheres no Brasil sofre violência sexual. De acordo com o anuário brasileiro de segurança pública, em 2013, foram registrados cerca de 50 mil estupros no Brasil. E considerando que a notificação dos casos fica em torno de 10%, podemos inferir que o número de estupros tenha chegado próximo ao de meio milhão”, conclui o médico.

A Maternidade Odete Valadares – juntamente com o Hospital Júlia Kubitschek (também da Fhemig), Hospital das Clínicas e Odilon Behrens – integra uma rede de referência para atendimento a pessoas em situação de violência sexual. A rede de referência vai acolher o paciente, oferecendo todo o suporte assistencial necessário, e encaminhar os vestígios para exame genético no Instituto de Criminalística do Instituto de Medicina Legal (IML). Tal conduta elimina a necessidade de que vítima repita o mesmo depoimento na delegacia, na unidade de saúde e no IML e reviva as lembranças da violência sofrida.

“Antigamente, a mulher tinha que passar pela delegacia, passar pelo IML e só depois era encaminhada a uma unidade de saúde. Além de desencorajar a denúncia, uma vez que a decisão de fazer o boletim de ocorrência poderia representar uma ameaça à vida da pessoa violentada, tal procedimento ainda impedia que a mulher recebesse toda a profilaxia necessária para DST’s e gestação indesejada em tempo hábil”, explica Ramon.

“Com esse atendimento integrado, ela pode ir direto para um desses hospitais, que contará com uma equipe multidisciplinar, a qualquer hora do dia, para realizar o acolhimento, os exames definidos pelo protocolo do Ministério da Saúde, a administração da medicação antirretroviral para evitar infecção por HIV, a profilaxia para outras DSTs e a contracepção de emergência. Para maior eficácia, é necessário que todo esse tratamento seja realizado em até 72 horas após o ocorrido”, completa Francisco.