Projeto CTI Humanizado do HJK foi essencial para recuperação de pacientes que estiveram próximos da morte

 

Fabrício e equipe do CTI do HJK
Foto: Fernanda Moreira
O vendedor Luiz Fabrício Manhães foi um dos pacientes que passaram pelo CTI do Hospital Júlia Kubitschek

 

Em 2013, o vendedor Luiz Fabrício Manhães, de 23 anos, não poderia imaginar que, após um mês e meio de seu casamento, uma dor de dente o faria passar por uma internação de 4 meses, sendo 67 dias no CTI do Hospital Júlia Kubitschek (HJK), entre a vida e a morte. Uma infecção na área do primeiro molar direito o levou a um quadro de choque séptico, com inflamação na região do pescoço que evoluiu para uma mediastinite (complicação infecciosa na cavidade que divide as regiões pleuropulmonares).

“A chegada de um paciente extremamente grave, como foi o caso do Fabrício, é sempre muito comovente. Jovem, casado há pouco tempo, com família toda no Rio de Janeiro, que teve que vir às pressas para Belo Horizonte”, relata Márcia Viegas, psicóloga do CTI do HJK. “Sempre me questionei sobre como dar um pouco de conforto e alento a familiares e pacientes em situações como essa”, diz.

Foi a partir desse questionamento que, em 2005, nasceu o projeto CTI Humanizado. Trata-se de uma nova cultura de atendimento: em vez de funcionar como uma unidade restrita aos familiares e visitantes, com uma série de normas e rotinas extremamente rígidas, o local abre portas para tudo que faça bem ao paciente.

Entre as iniciativas que compõem o projeto estão o cuidado assistencial baseado em uma forte relação de empatia e interação da equipe com paciente e familiares, horário de visitas flexibilizado, possibilidade de permanência de acompanhante, visita de crianças, personalização do espaço, comemoração de aniversário e de datas especiais, sessões de terapia ocupacional, além de atividades oferecidas por grupos voluntários, como contação de histórias e apresentações musicais.  Não existe em Minas Gerais um serviço de Terapia Intensiva que funcione nesses moldes.

Márcia Viegas é a idealizadora do projeto, junto com o coordenador do CTI do HJK, Adão Ferreira de Morais. Para a psicóloga, humanizar o CTI é desmistificá-lo. “É tentar de alguma forma mostrar que é lugar de vida, cuidado e acolhimento. Tentamos romper com a visão de que trata-se de um espaço de pacientes graves à espera da morte, onde só podemos seguir as prescrições médicas. Buscamos oferecer, no mínimo, um sentido para que este paciente continue ali, sendo invadido por tubos e sondas”, acredita.

Vínculo com a família e o paciente

Durante o período de internação - de agosto a novembro de 2013 - Fabrício teve momentos muito críticos. Em um deles, Márcia foi orientada a entrar em contato com a família para pedir que viessem imediatamente se despedir do jovem. “A equipe já havia o colocado na posição prona (manobra em que vira-se o paciente de bruços, para melhora da ventilação pulmonar). Mesmo com os aparelhos, a saturação de oxigênio estava baixa. E nos meus 10 anos de CTI, grande parte dos pacientes que viraram de prona, faleceram. Cheguei ao HJK e encontrei a Thaís (esposa de Fabrício), que já estava aqui antes mesmo que eu a avisasse. O médico plantonista explicou a situação a ela, que me convidou a fazer uma oração no jardim do hospital. Fomos para lá e, depois disso, a cada vez que voltávamos ao CTI, víamos que o Fabrício apresentava alguma melhora. Daí pensamos: ‘Vamos voltar para lá e orar mais um pouquinho que está dando certo’. A partir daí, ele saiu do risco e se estabilizou dentro do quadro de gravidade. Foi uma internação muito marcante”, revela Márcia.

 

Fabrício em dois momentos: com a esposa, no dia do casamento, e meses depois de receber alta do HJK
Fotos: Arquivo Pessoal / Fernanda Moreira
Fabrício havia se casado há pouco mais de um mês quando passou pela internação no HJK

 

O envolvimento emocional e estreitamento de vínculos com o paciente e seus familiares faz parte da rotina dos profissionais do CTI do HJK. Fabrício ressalta que foi criada uma relação de amizade com a equipe. “A forma como fui tratado durante a internação foi fundamental para minha recuperação. Todos me abordavam com um sorriso no rosto, com descontração e sempre dando muita força. Mesmo após a alta, mantenho contato com muitos profissionais que me acompanharam”, afirma.

Atendimento individualizado

No ano passado, o estudante Rodrigo da Silva Pereira, de 23 anos, passou 22 dias internado no CTI do HJK, sendo 13 dias em coma, devido ao quadro de endocardite infecciosa (doença que resulta usualmente da invasão de microorganismos - bactéria ou fungo - em tecido endocárdico do coração). Durante sua recuperação, o jovem teve dificuldades de adaptação à rotina e ao ambiente hospitalar. “Ele estava bastante entristecido. Isso influencia negativamente no tratamento, pois o paciente acaba recusando a se alimentar, a realizar os procedimentos. A rigor, ele não teria direito a acompanhante no CTI (que só é permitido em caso de menores de idade ou idosos). Mas o Rodrigo precisava da família além dos horários de visita. E isso o ajudou muito terapeuticamente”, explica Márcia.

“Com minha família perto, o tempo passava mais depressa, foi mais fácil passar por tudo isso”, relata o estudante, que também chegou a pedir para ver televisão durante sua passagem pelo CTI. O pedido foi atendido por Márcia, que instalou o aparelho por alguns dias no box de Rodrigo. “Também coloquei um escudo do Atlético-MG, pois sabia que ele torcia pelo time, e um desenho feito por ele quando ainda estava na enfermaria, antes do agravamento de seu quadro. Era um desenho muito representativo do momento pelo qual ele passava: um paciente, em um leito de hospital, envolvido pelas mãos de Deus”, relata a psicóloga. “O objetivo dessas ações é reforçar o reconhecimento do paciente como sujeito, resgatar o humano que há ali. Não estamos tratando uma endocardite, mas sim um jovem atleticano, que também é um artista, e tem uma endocardite”, conclui.

 

Desenho feito por Rodrigo
Foto: Arquivo Pessoal
O desenho feito por Rodrigo alguns dias antes de ir para o CTI do HJK

 

O funcionário público Mauro Pereira, pai de Rodrigo, reforça a importância do projeto para a recuperação do filho. “Até então, eu nunca tinha visto um trabalho como esse. Fomos muito bem tratados por toda a equipe. Todo o apoio foi dado à nossa família. Nós participamos ativamente, fomos não só acompanhantes, mas também ajudantes em todo o processo”, afirma. A dona de casa Roseli Tavares da Silva, mãe de Rodrigo, concorda. “Durante a madrugada, tinha até cafezinho para a gente. Naquele momento, nos tornamos uma grande família”, conta a mãe.

 

Rodrigo, junto aos pais, e equipe do CTI
Foto: Fernanda Moreira
Rodrigo e os pais, Mauro e Roseli, com parte da equipe do CTI do Hospital Júlia Kubitschek

 

Equipe multidisciplinar

O motorista Walisson Soares de Oliveira acompanhou toda a internação da mãe, Ana Maria Fialho, de 70 anos, que esteve no HJK durante 6 meses e 24 dias, devido a um quadro de polineuropatia. Nesse período, a paciente foi três vezes para o CTI. “Durante o tempo em que ela esteve em terapia intensiva, eu tinha liberdade para visitá-la de acordo com minha disponibilidade. Tinha acesso irrestrito a toda a equipe: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, assistente social e secretária. É um trabalho que envolve todos os profissionais, e eles foram maravilhosos com a minha mãe”, relata.

Para Márcia Viegas, a satisfação desse trabalho está em fazer, naquele momento, tudo o que for possível pelo paciente. “Nunca deixo nada para amanhã. A minha tranquilidade está em saber que contribui para aliviar a angústia do paciente e seus familiares e que não fugi à responsabilidade de assumir uma postura profissional e humana”, conclui.