Animais como escorpiões, aranhas, cobras e lagartos são levados constantemente para o Hospital João XXIII, da Rede Fhemig, por vítimas de picadas ou pessoas que os encontram em lotes, obras, ou nas próprias casas. O acervo de peçonhentos da Unidade de Toxicologia (CIAT-BH) da instituição, espaço que hoje conta com mais de 1500 espécimes, é o local para onde os bichos, venenosos ou não, são destinados, analisados e mantidos. O CIAT-BH é referência nacional para o atendimento, pesquisa e desenvolvimento de estatísticas na área.
Um dos objetivos da manutenção do acervo é ajudar as vítimas de picadas na identificação dos animais causadores do ataque, já que muitas vezes elas não são capazes de descrevê-los. Para o tratamento correto ser aplicado, é necessário saber exatamente que espécime ocasionou o acidente. “Muitas vezes é possível saber pelo quadro clínico do paciente que tipo de animal o picou, mas às vezes é preciso fazer uso do acervo para isso”, explica o coordenador da unidade de toxicologia Délio Campolina.
A coleção também tem fundamental importância para o treinamento de profissionais da área, considerando o grande número de estudantes de medicina e outras áreas que faz estágio no local (mais de cem por mês), e que vêm de diversas universidades brasileiras. “Também recebemos muitas visitas técnicas de médicos estrangeiros e estudantes de universidades de outros países, que têm convênio com instituições daqui”, afirma Délio.
Segundo o coordenador, além desses fatores, o acervo contribui com informações epidemiológicas sobre áreas com registros de aparecimentos de peçonhentos. “Fazemos um georreferenciamento constante para que sejam feitas ações de saúde e técnicas nos locais necessários”, salienta. Também são realizados treinamentos específicos em hospitais, escolas e universidades para melhorar o conhecimento e as ações de saúde. “Estamos em contato direto com o Ministério da Saúde, Instituto Butantan e Fundação Nacional Ezequiel Dias (FUNED), para a promoção de seminários e congressos sobre o assunto”, completa o coordenador da Toxicologia.
Quando o animal é levado ao CIAT-BH, ele é identificado, imediatamente armazenado em um frasco com álcool e deixado no setor de biologia. No local, o profissional responsável pelo departamento, Breno Damasceno, é responsável por identificar as características do peçonhento, o nome do paciente picado, número de prontuário, data do acidente, tratamento realizado e reações causadas pelo veneno. Também é feita a comunicação à zoonose e à vigilância epidemiológica do registro.
É fundamental ressaltar o local onde o bicho foi encontrado, pois com essa informação, é possível desenvolver pesquisas como a de distribuição geográfica. “Por meio desses estudos, podemos observar o surgimento de certas espécies em regiões onde normalmente elas não seriam encontradas”, ressalta o biólogo Breno. Délio Campolina cita como exemplo o caso das lagartas do gênero lonômia oblíqua (taturanas) e as aranhas loxosceles (aranha marrom), que são muito comuns na região sul do país e, nos últimos anos, têm aumentado consideravelmente e causado mais acidentes em Belo Horizonte. “Esses animais podem migrar por diversas causas, como a busca por um clima mais propício, fuga de áreas desmatadas e de ambientes onde há alto índice de agrotóxicos, ou mesmo sendo transportados em cargas de caminhões e trens”, exemplifica.
A maioria dos peçonhentos levados ao acervo são escorpiões, encontrados na Grande BH e também em cidades do interior.
O CIAT-BH costuma realizar mostras de toxicologia com os animais peçonhentos de sua coleção – um exemplo foi a exposição que aconteceu em setembro de 2013 no pátio do HJXXIII. Para Délio Campolina, esses eventos são fundamentais para orientar a população quanto à prevenção contra picadas e o que fazer diante de um acidente com as diferentes espécies: “Há grande interesse da população no assunto, mas também muita desinformação. Existem diversos mitos que envolvem o tema, e as mostras ajudam a desfazer tais crenças”, afirma o médico.
Em 2013, foram atendidos 1.726 pacientes picados por animais peçonhentos no HJXXIII, sendo 1.086 por picadas de escorpião. Somente em janeiro de 2014, chegaram ao HPS 182 vítimas deste tipo de acidente.