Através da visita domiciliar, Cuidados Paliativos do Hospital Alberto Cavalcanti garantem maior qualidade de vida aos pacientes terminais

 

Foto: ACS/Divulgação
Maria Bonfim, 77 anos, recebe em casa os cuidados
da equipe do Hospital Alberto Cavalcanti

 

Iniciadas há exatos dois anos, as visitas domiciliares realizadas pela equipe de cuidados paliativos do Hospital Alberto Cavalcanti (HAC), da Rede Fhemig, são responsáveis por uma verdadeira mudança de paradigmas em relação aos resultados alcançados pela assistência aos doentes que não apresentam possiblidades terapêuticas de cura.

Este ano, a temática dos cuidados paliativos está na agenda do Ministério da Saúde. O órgão pretende estabelecer normas para que a prática alcance todos os níveis de governo, integrando-os. Enquanto o assunto começa a ser discutido nacionalmente, o Hospital Alberto Cavalcanti já possui um programa estruturado e que produz resultados efetivos.

A atenção domiciliar aos pacientes em cuidados paliativos se justifica pela impossibilidade dessas pessoas de se locomoverem até o hospital para receberem a assistência paliativa, que é realizada por uma equipe multidisciplinar, e tem como premissa não apressar nem adiar a morte, mas afirmar a vida e encarar o morrer como um processo natural e não um fracasso técnico.

Aumento da sobrevida

Atualmente, aproximadamente 30 pacientes do HAC são atendidos pelos cuidados paliativos. Contudo, estima-se que a demanda de pacientes que se enquadrem no perfil descrito seja superior a esse número. Apesar da impossibilidade de cura, muitos deles vivenciam uma significativa melhora do seu quadro de saúde e do seu bem-estar, com reflexos no aumento da sobrevida, em função dos resultados alcançados pela equipe de profissionais que, semanalmente ou quinzenalmente, de acordo com a necessidade de cada caso, através do acolhimento, vínculo e intervenções técnicas, auxiliam no controle da dor e demais desconfortos e sofrimentos gerados pelo avanço da doença, num complexo processo de escuta e interação que constitui a base dos cuidados paliativos e requer características pessoais e coletivas, em especial, a capacidade de cuidar e atuar em equipe.

Os pacientes, homens e mulheres que têm diante de si, de forma concreta, a possibilidade de morrer, encontram ao longo da visita domiciliar a assistência de médico, psicólogo, fisioterapeuta, assistente social, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, farmacêutico, nutricionista e enfermeiro, que realizam, além dos cuidados propriamente ditos, uma atenção humanizada que privilegia o desejo do paciente, tornando-o sujeito de sua condição de saúde. Nesse contexto, os pacientes apresentam uma sobrevida que gira em torno de quatro a seis meses. Sem a visita, eles teriam um número de internações hospitalares maior, com duração igualmente maior.

Ambulatório multiprofissional de cuidados paliativos

No curso dessas conquistas, que motivaram o aumento da demanda pela assistência paliativa em ambulatório, foi criado, em março deste ano, o ambulatório multiprofissional de cuidados paliativos. O serviço traz consigo a expectativa da ampliação das taxas de sobrevida, uma vez que o acompanhamento dos doentes acontece antes da piora do seu quadro de saúde, o que garante, entre outros aspectos, a prevenção de alguns agravos e preservação da sua autonomia. Para ter uma ideia das possibilidades representadas pelo ambulatório, a sobrevida de quatro a seis meses, alcançada nos últimos oito meses, refere-se aos pacientes assistidos na modalidade do ambulatório e encaminhados para assistência domiciliar quando há piora do quadro de saúde com perda significativa na capacidade funcional, no que diz respeito a mobilidade e execução das atividades diárias.

Assim, além de permitir aos pacientes assistidos pela visita domiciliar que recuperaram a mobilidade funcional o retorno à assistência ambulatorial, o serviço destina-se especialmente àqueles que residem na região metropolitana e demais municípios do Estado de Minas Gerais e necessitam de assistência contínua de equipe multiprofissional e requerem, o mais precocemente possível, uma assistência especializada com foco na ação paliativa.

Inclui-se nessa modalidade de assistência o Ambulatório de luto, conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde, aos familiares dos pacientes após o óbito, com atendimentos da psicologia e serviço social.

 

Foto: ACS/Divulgação
Parte da equipe do Programa de Cuidados Paliativos
ao chegarem à casa de paciente em visita domiciliar

 

Encaminhamento tardio

De modo geral, em todo o país, o encaminhamento para os cuidados paliativos é tardio, devido à dificuldade da família em aceitar o fim do tratamento sem que haja a cura, aliada à persistência de ações médicas com foco no ataque a doença, reforçando um modelo de medicina curativa, com grande impacto na diminuição da qualidade de vida, sem atender às necessidades do paciente, podendo até mesmo abreviar o tempo de vida.   Esse quadro reforça a importância e o protagonismo do novo ambulatório do HAC, ao possibilitar o enfrentamento precoce da situação.

Nesse primeiro momento da sua implantação, o ambulatório multidisciplinar está funcionando um turno por semana e assiste atualmente a 15 pacientes. Para o ano que vem, está prevista a ampliação da sua capacidade de atendimento para, pelo menos, o dobro da atual, assim como o seu funcionamento em um dia integral. Com o ambulatório, também ocorre a diminuição das vezes em que o paciente necessita comparecer ao Hospital Alberto Cavalcanti pois, em uma única tarde, ele recebe assistência dos profissionais que o seu quadro de saúde demanda.

Médico de referência

É importante frisar que o paciente em cuidados paliativos continua com o seu médico de referência, com o qual ele estabeleceu um vínculo, construído ao longo do tratamento. Assim, diante da impossibilidade de cura, é o próprio médico de referência que encaminha o paciente para os cuidados paliativos.

A coordenadora do Programa de Cuidados Paliativos do HAC, a psico-oncologista, sanitarista e membro da diretoria adjunta da Sociedade de Tanatologia e Cuidado Paliativo de Minas Gerais (SOTAMIG/AMMG), Francine Portela, reafirma o fato de que os cuidados paliativos se aplicam somente nos casos em que a doença está em progressão e não cabem mais ações terapêuticas com foco na cura. “Busca-se dar ao paciente e seus entes queridos um cuidado humanizado com suporte indispensável para um enfrentamento digno ao processo de morrer”, frisa a coordenadora.

Ainda segundo Francine Portela, um bom exemplo dessa circunstância é o paciente que, devido ao avanço do câncer, permanece por mais de 50% do tempo deitado, o que pode ocasionar úlceras de pressão. Neste caso, a equipe previne lesões através de orientações e tratando-as logo no início. Também como forma terapêutica para qualidade de vida, estimula-se o paciente a resgatar hábitos que ele havia abandonado com o desenvolvimento progressivo da doença, assim como a descobrir outros potenciais, retirando o foco da doença e resgatando a vida.

Controle da dor

Ao longo dos últimos dois anos, o controle da dor tem sido bastante efetivo. Um dos fatores que contribuiu para essa conquista é o trabalho realizado pela farmacêutica, Vanessa Soares de Castro, que, a cada visita domiciliar, faz a verificação dos medicamentos. Ela conta que, em várias ocasiões, a persistência de dores ou de vômitos é sinal da tomada incorreta dos remédios (fora dos horários ou em excesso). “É muito comum os pacientes tomarem os medicamentos somente quando sentem dor e não conforme a orientação médica sobre os horários adequados”, esclarece a farmacêutica.

Comunicação em rede

A equipe dos cuidados paliativos do HAC mantém um contato constante com a equipe multiprofissional de atenção domiciliar da atenção básica (Centros de Saúde, EMAD, PSF e etc), de modo que eles possam atuar de forma conjunta. A prática tem produzido bons resultados, na medida em que possibilita um alinhamento de ações e assegura o respeito aos direitos dos pacientes, principalmente quando estes desejam permanecer em domicílio.

Autonomia e respeito

Com a comunicação em rede, é possível a emissão de atestados de óbitos que ocorrem na casa dos doentes, sem a necessidade do corpo ser encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML). Isso acontece graças à interlocução constante entre os membros das duas equipes, amparada por um relatório emitido pelo médico dos cuidados paliativos em que consta o diagnóstico, relato da situação de saúde do paciente, medicações em uso e informações sobre plano de cuidados. No caso de pacientes que relatem desejo por recusa de determinadas intervenções médicas, o dado também é incluido no relatório.

O documento é deixado com os familiares e, no caso de uma urgência, os profissionais que atenderem o paciente (SAMU, UPA, por exemplo), terão  acesso ao relatório que é entregue pelo próprio familiar, permitindo  conhecimento da situação do paciente e o respaldo  para decidirem pelas intervenções e procedimentos que possam causar mais benefícios do que danos, possibilitando assegurar ao paciente autonomia e poder para fazer valer a sua vontade.

De acordo com a assistente social do HAC, Cláudia Patrícia Marra, cada vez mais os pacientes oncológicos optam por morrer em casa. Desse modo, o relatório emitido pelo médico da equipe de cuidados paliativos assegura, de forma simples, a humanização do processo de morrer, o respeito à vontade do paciente e seus familiares, ao mesmo tempo que possibilita a interação entre as diversas instâncias de saúde pública.