Número de atendimentos a vítimas de queimaduras decorrentes do álcool líquido cai em torno de 30% entre fevereiro e maio deste ano

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Foto: Rosemeire Carvalho
Cerca de 15% das pessoas acometidas, morrem em razão das queimaduras

As estatísticas da Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital João XXIII (HJXXIII), da Rede Fhemig, revelam que, entre os meses de fevereiro e maio deste ano, houve uma redução de aproximadamente 30% no número de atendimentos a pacientes vítimas de queimaduras envolvendo álcool líquido. Em contrapartida, as internações caíram em torno de 15%.

A diminuição pode ser creditada à resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que suspendeu a fabricação, distribuição e venda do álcool líquido comercial (com graduação acima de 54º Gay Lussac) desde o dia 25 de fevereiro deste ano.

Segundo o chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do HJXXIII, Carlos Eduardo Guimarães Leão, as evidências deste fato são claras e comprovam a tese de que a proibição do comércio varejista de produtos inflamáveis, em especial do álcool líquido, é uma forma eficaz de reduzir a morbidade e a mortalidade decorrentes das queimaduras, levando-se em conta que o álcool líquido é o responsável pelas queimaduras mais extensas e pela maioria dos óbitos relacionados a elas.

Carlos Eduardo Leão salienta ainda que a queimadura é um problema predominantemente sociocultural, uma vez que, em nenhum outro país do mundo, o álcool é responsável por um número tão grande de acidentes. Prova disso, é o seu uso em larga escala como produto de limpeza num grande número de lares brasileiros, devido à crença, equivocada, de que ele tem ação desinfetante. Daí a dificuldade enfrentada pelas autoridades que promovem campanhas, diante da resistência da população em deixar de utilizar o produto em seu cotidiano.

Terceira causa de morte

Assim, o decréscimo das ocorrências adquire uma importância ainda maior se for levado em conta que, estatisticamente, em todo o território nacional, a cada ano, 10% dos adultos e 5% das crianças (em média), internados em hospitais, morrem devido a queimaduras graves (que atingem mais de 25% do corpo, independente do grau das lesões). Portanto, as queimaduras perdem apenas para os acidentes de trânsito e para os homicídios o título de principal causa externa de morte.

As áreas mais atingidas são o tórax anterior, os membros superiores e a cabeça. Em média, os pacientes permanecem internados por 23 dias. Em torno de um quarto, ou 15% das pessoas acometidas, morrem em razão das queimaduras.

Queda progressiva

A queda do número de atendimentos, diretamente ligados ao álcool líquido, foi verificada, de forma progressiva, em todos os quatro meses, a partir de fevereiro. Assim, em termos absolutos, observou-se que o percentual de participação do álcool como agente causador das queimaduras passou de 45.9% em fevereiro para 30,6% em março. Em abril, foi verificada uma taxa de 27,5%, culminando, em maio, com a taxa de 21,3%.

Cultura da prevenção

Apesar dos resultados animadores, o médico ressalta, de forma veemente, que a proibição do comércio varejista do álcool líquido, por si só, não resolve o problema no longo prazo. Carlos Eduardo Leão defende a ideia de que apenas a inclusão na grade curricular das escolas de ensino fundamental de uma disciplina voltada à prevenção de acidentes, “colocaria fim a esta falta da cultura do perigo que caracteriza o brasileiro, independente de sua classe social e econômica”, sugere.

Momentos críticos

Outro aspecto relevante no contexto em que se dão os acidentes envolvendo queimaduras é que este mês e o próximo representam os momentos mais críticos do ano no que diz respeito à ocorrência deste tipo de agravo à saúde. No período de junho a julho, há um aumento de 12% a 15% do número de vítimas habituais devido às características destes meses, durante os quais, tradicionalmente, são comemoradas, em todo o país, as festas juninas (que se estendem até julho).

De todo modo, o ambiente doméstico é o local onde ocorre mais da metade dos acidentes. A cozinha é o cenário de 80% dos casos. Até os quatro anos de idade, as crianças são vítimas de queimaduras decorrentes de escaldadura (ação de líquidos superaquecidos).

Prevalência de homens jovens

Dados do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital João XXIII mostram que a maioria dos pacientes da Unidade de Tratamento de Queimados é do sexo masculino (64%), com uma média de idade de 29 anos. Em geral, eles são vítimas de queimaduras de segundo grau profundo para terceiro grau.

Intencionalidade

Outro aspecto que chama a atenção em relação ao álcool líquido é o seu uso em ocorrências de tentativas de autoextermínio. O Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do HPS registrou, entre fevereiro e maio deste ano, taxas de tentativas deste tipo de ação que vão de 16% a 14,8%. Nestes casos, há uma nítida prevalência do gênero feminino, isto é, entre 43% e 22% das tentativas, dependendo do mês pesquisado, são realizadas por mulheres. Em contrapartida, a taxa masculina varia de 13% a 12%, significativamente menor em comparação ao sexo oposto.

Demais agentes

No ranking dos principais agentes causadores de queimaduras, logo após o álcool líquido, vêm os líquidos superaquecidos, em particular a água e o óleo. Em seguida, a chama direta. Também merecem atenção os acidentes com fogos de artifício, causados pelo manuseio inadequado desses artefatos, em muitos casos, associado à embriaguez.

Primeiros socorros

Diante de uma pessoa queimada, deve-se, imediatamente, afastá-la do agente causador. Em seguida, caso a roupa esteja queimada, ela deve ser retirada. Após essas medidas iniciais, a pessoa deve ser colocada em água fria e corrente (ou colocar sobre ela uma toalha embebida em água fria) e encaminhá-la imediatamente ao hospital. Para que não haja o agravamento do quadro de saúde da vítima, é fundamental que, em hipótese alguma, seja utilizado outro produto que não seja a água pura e fria, pois se dificulta o trabalho do médico para identificar a área queimada, bem como a profundidade da lesão.

Medidas preventivas

Segundo a Sociedade Brasileira de Queimados, cuidados simples, incorporados ao dia a dia das pessoas, são capazes de evitar queimaduras. Assim, as crianças não devem ficar sozinhas em casa. O botijão de gás deve, sempre, ser trocado em ambiente aberto. Nunca se deve usar produtos inflamáveis, em especial o álcool líquido, bem como produtos químicos em casa, além de ter máximo cuidado ao fazer a manutenção da instalação elétrica. Nesse último caso, o mais adequado é que sejam utilizados os serviços de um eletricista.