A diminuição pode ser creditada à resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que suspendeu a fabricação, distribuição e venda do álcool líquido comercial (com graduação acima de 54º Gay Lussac) desde o dia 25 de fevereiro deste ano.
Segundo o chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do HJXXIII, Carlos Eduardo Guimarães Leão, as evidências deste fato são claras e comprovam a tese de que a proibição do comércio varejista de produtos inflamáveis, em especial do álcool líquido, é uma forma eficaz de reduzir a morbidade e a mortalidade decorrentes das queimaduras, levando-se em conta que o álcool líquido é o responsável pelas queimaduras mais extensas e pela maioria dos óbitos relacionados a elas.
Carlos Eduardo Leão salienta ainda que a queimadura é um problema predominantemente sociocultural, uma vez que, em nenhum outro país do mundo, o álcool é responsável por um número tão grande de acidentes. Prova disso, é o seu uso em larga escala como produto de limpeza num grande número de lares brasileiros, devido à crença, equivocada, de que ele tem ação desinfetante. Daí a dificuldade enfrentada pelas autoridades que promovem campanhas, diante da resistência da população em deixar de utilizar o produto em seu cotidiano.
Assim, o decréscimo das ocorrências adquire uma importância ainda maior se for levado em conta que, estatisticamente, em todo o território nacional, a cada ano, 10% dos adultos e 5% das crianças (em média), internados em hospitais, morrem devido a queimaduras graves (que atingem mais de 25% do corpo, independente do grau das lesões). Portanto, as queimaduras perdem apenas para os acidentes de trânsito e para os homicídios o título de principal causa externa de morte.
As áreas mais atingidas são o tórax anterior, os membros superiores e a cabeça. Em média, os pacientes permanecem internados por 23 dias. Em torno de um quarto, ou 15% das pessoas acometidas, morrem em razão das queimaduras.
A queda do número de atendimentos, diretamente ligados ao álcool líquido, foi verificada, de forma progressiva, em todos os quatro meses, a partir de fevereiro. Assim, em termos absolutos, observou-se que o percentual de participação do álcool como agente causador das queimaduras passou de 45.9% em fevereiro para 30,6% em março. Em abril, foi verificada uma taxa de 27,5%, culminando, em maio, com a taxa de 21,3%.
Apesar dos resultados animadores, o médico ressalta, de forma veemente, que a proibição do comércio varejista do álcool líquido, por si só, não resolve o problema no longo prazo. Carlos Eduardo Leão defende a ideia de que apenas a inclusão na grade curricular das escolas de ensino fundamental de uma disciplina voltada à prevenção de acidentes, “colocaria fim a esta falta da cultura do perigo que caracteriza o brasileiro, independente de sua classe social e econômica”, sugere.
Outro aspecto relevante no contexto em que se dão os acidentes envolvendo queimaduras é que este mês e o próximo representam os momentos mais críticos do ano no que diz respeito à ocorrência deste tipo de agravo à saúde. No período de junho a julho, há um aumento de 12% a 15% do número de vítimas habituais devido às características destes meses, durante os quais, tradicionalmente, são comemoradas, em todo o país, as festas juninas (que se estendem até julho).
De todo modo, o ambiente doméstico é o local onde ocorre mais da metade dos acidentes. A cozinha é o cenário de 80% dos casos. Até os quatro anos de idade, as crianças são vítimas de queimaduras decorrentes de escaldadura (ação de líquidos superaquecidos).
Dados do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital João XXIII mostram que a maioria dos pacientes da Unidade de Tratamento de Queimados é do sexo masculino (64%), com uma média de idade de 29 anos. Em geral, eles são vítimas de queimaduras de segundo grau profundo para terceiro grau.
Outro aspecto que chama a atenção em relação ao álcool líquido é o seu uso em ocorrências de tentativas de autoextermínio. O Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do HPS registrou, entre fevereiro e maio deste ano, taxas de tentativas deste tipo de ação que vão de 16% a 14,8%. Nestes casos, há uma nítida prevalência do gênero feminino, isto é, entre 43% e 22% das tentativas, dependendo do mês pesquisado, são realizadas por mulheres. Em contrapartida, a taxa masculina varia de 13% a 12%, significativamente menor em comparação ao sexo oposto.
No ranking dos principais agentes causadores de queimaduras, logo após o álcool líquido, vêm os líquidos superaquecidos, em particular a água e o óleo. Em seguida, a chama direta. Também merecem atenção os acidentes com fogos de artifício, causados pelo manuseio inadequado desses artefatos, em muitos casos, associado à embriaguez.
Diante de uma pessoa queimada, deve-se, imediatamente, afastá-la do agente causador. Em seguida, caso a roupa esteja queimada, ela deve ser retirada. Após essas medidas iniciais, a pessoa deve ser colocada em água fria e corrente (ou colocar sobre ela uma toalha embebida em água fria) e encaminhá-la imediatamente ao hospital. Para que não haja o agravamento do quadro de saúde da vítima, é fundamental que, em hipótese alguma, seja utilizado outro produto que não seja a água pura e fria, pois se dificulta o trabalho do médico para identificar a área queimada, bem como a profundidade da lesão.
Segundo a Sociedade Brasileira de Queimados, cuidados simples, incorporados ao dia a dia das pessoas, são capazes de evitar queimaduras. Assim, as crianças não devem ficar sozinhas em casa. O botijão de gás deve, sempre, ser trocado em ambiente aberto. Nunca se deve usar produtos inflamáveis, em especial o álcool líquido, bem como produtos químicos em casa, além de ter máximo cuidado ao fazer a manutenção da instalação elétrica. Nesse último caso, o mais adequado é que sejam utilizados os serviços de um eletricista.