Na manhã desta sexta-feira, 15, quem passava pela entrada principal do Hospital João XXIII da Rede Fhemig surpreendeu-se com a cena: de um lado motocicletas avariadas, de outro, motos em ótimo estado. O contraste tinha como objetivo chamar a atenção para o tema da campanha de Prevenção de Acidentes com Motocicletas lançada pela Rede Fhemig, cujo slogan é: “Eu piloto pela vida”.
Segundo o presidente da Fhemig, Antônio Carlos de Barros Martins, o objetivo geral da campanha é sensibilizar a população sobre os riscos, os cuidados e a importância da prevenção dos acidentes, o crescente índice de mortalidade entre os motociclistas e as graves seqüelas que marcam a vida dos sobreviventes. A Fhemig se preocupa também em reduzir os custos decorrentes destes acidentes nas várias esferas públicas e privadas.
A campanha nasceu da constatação, decorrente das estatísticas do Hospital João XXIII, que revelam que, somente este ano, mais de 2.600 acidentados com motos deram entrada no pronto socorro. Em média, são 20 atendimentos por dia e, pelo menos uma morte, haja vista que quem pilota uma moto tem 36 vezes mais chances de se acidentar e uma probabilidade 35 vezes maior de morrer.
Estes números somam-se a registros anteriores que mostram um cenário nada otimista, em 2011 foram 6.981 atendimentos e em 2010, 7.036, o que denuncia uma tendência não somente em Belo Horizonte ou no estado de Minas Gerais, como também em todo o país. Trata-se de um problema de saúde pública que tem causas diversas, mas uma única gênese, a falta de educação para o trânsito.
Para o diretor do Hospital João XXIII, o clínico geral Eduardo Liguori Cerqueira, esta campanha deve adquirir um caráter permanente, em razão da nobreza do seu objetivo. Liguori chama a atenção para o fato de que o problema envolvendo as motos é multifatorial. Só uma força-tarefa de todas as instituições direta ou indiretamente responsáveis pela organização do trânsito, incluindo defesa civil e os hospitais que atendem estes pacientes, e a mídia com seu poder enorme de comunicação, poderá nos mostrar uma luz no fim do túnel. “O que me alarma é o caráter de pandemia destas ocorrências”, ressalta.
O diretor defende a ideia de que é preciso conscientizar também o pedestre sobre a importância de se obedecer a sinalização de rua, como faixa de segurança, semáforo; as crianças e idosos, que são por natureza mais vulneráveis aos acidentes de trânsito; as pessoas que andam pelas ruas nas garupas das motocicletas; os profissionais que vivem da profissão de motociclistas, os chamamos motoboys, e os motociclistas que usam a moto para ir e voltar ao trabalho (acidente de trajeto).
“Os números continuam crescendo. Eu vejo centenas de vidas sendo perdidas em razão dos acidentes de trânsito. O que me angustia é saber que o trauma, na maioria das vezes, é evitável. Eu sou capaz de antever os resultados trágicos dos feriados prolongados devido às características dos condutores. É preciso entender o papel de cada um no problema”, adverte Liguori.
A cada hora um motociclista é atendido no HPS. Eles chegam com diversas lesões e mobilizam uma equipe multidisciplinar, composta por médicos de mais de uma especialidade, enfermeiros e técnicos de enfermagem, fisioterapeuta, assistente social, entre outros profissionais. Ricardo Alberto de Souza, de 28 anos de idade, é uma dessas vítimas. Deu entrada no hospital há dois meses. Ele sofreu fraturas múltiplas e foi submetido a cirurgia para a realização de enxertos na perna e pé. Em um leito próximo, Wallison Braz de Souza, 18 anos, está internado há seis dias. As sequelas são bastante parecidas com as de Ricardo.
G.A. T, 32 anos; L.S. J, 26 anos; G.A.L., 34 anos; E.S., 49 anos; R.B.S., 24 anos; A.B.C., 33 anos; L.L.M.N., 18 anos; G.W.S., 26 anos; R.M.S., 42 anos; M.A.O., 40 anos; N.G.S., 37 anos; J.V. F., 20 anos; A.M.S., 17 anos; L.F.A., 20 anos; C.B.G., 24 anos; R.B.M., 34 anos; V.C.M., 42 anos.
Atrás das siglas acima estão outras vítimas de acidentes com moto. Elas deram entrada no Hospital João XXIII este ano e tiveram como diagnóstico preliminar traumatismo raquimedular (lesão na coluna com paralisação dos membros inferiores ou dois inferiores e superiores). Seis deles ficaram paraplégicos.
Felipe Zanol, de 30 anos, piloto profissional de motociclismo, hepta campeão brasileiro de enduro e melhor piloto das Américas no Rally Dakar, não conhece nenhuma das pessoas acima. No entanto, a gravidade da situação o motivou a apadrinhar a campanha e a emprestar sua imagem e sua voz para a missão de conscientizar para importância da educação para o trânsito. “Eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para divulgar esta campanha. Parabenizo o pioneirismo da Fhemig e desejo que a campanha alcance todo o país”, afirmou.
Com lesões menos graves, outras centenas de pessoas também deram entrada no Hospital João XXIII este ano. Todas as vítimas de acidentes com moto e na faixa etária de maior produção, de 19 a 39 anos. O pedreiro R. D. D., 33 anos, que usa a moto como meio de transporte, é um deles. Deu entrada no Hospital João XXIII pela segunda vez este ano. Há três meses sofreu um acidente fraturando o braço esquerdo. Ficou afastado do trabalho por 60 dias. No final de maio, foi novamente acidentado, fraturando o mesmo braço. Outra vez vai ficar afastado.
Segundo o cirurgião geral Paulo Roberto Carreiro, o número de atendimentos a vítimas de acidentes com motocicletas vem aumentado de forma contínua nos últimos anos. “Muitos nem chegam a dar entrada no hospital. Morrem no local. Outros chegam com lesões graves ou mesmo definitivas”, comentou o médico. E o número de óbitos registrados no hospital é alto: no ano passado foram 101, correspondendo a 28% dos mortos em acidentes de trânsito atendidos no Hospital João XXIII. Este ano 45 motociclistas já morreram (números até 12 de junho).
Paulo Roberto Carreiro ressalta que o custo social destes acidentes é muito elevado, não só para o hospital, como para a vítima, pelo tempo em que ela fica afastada do trabalho. Isso sem contar a perda de bens materiais, destaca o médico. Para alguns, o afastamento é definitivo, resultando em uma aposentadoria precoce. Ele cita ainda os casos de jovens que morrem e perdem o retorno do investimento feito em sua educação.
A velocidade média das motocicletas no trânsito é maior do que os veículos em geral. É comum ver no baú de motos alusões a velocidade, como “expresso a jato”, “ultra-rápido”, “urgente”. O “motoboy” precisa chegar rápido ao seu destino. Quem está do outro lado tem pressa.
“É uma guerra por espaço no trânsito”, comentou Paulo Roberto Carreiro, para quem é necessário uma postura mais amigável entre os motoristas de veículos, motociclistas e pedestres. Ele ressalta que os motociclistas trafegam nos corredores, ultrapassam pela direita, desobedecendo as leis do trânsito. Por lei, devem circular na faixa dos carros. A maioria dos acidentes é em horário comercial e envolve pessoas trabalhando ou se locomovendo.
A situação é tão grave e as ocorrências envolvendo motos são tão comuns que o cirurgião da emergência do Hospital João XXIII, Otaviano Freitas, é capaz de prever a causa dos traumas de diversos pacientes que dão entrada no setor de politraumatizados do hospital somente avaliando visualmente as suas condições e, invariavelmente, ele acerta, a maioria é vítima de acidente com moto. “Se gasta, com o atendimento ao trauma, em todo o país, 24 vezes mais que o que é investido em habitação”, compara.
As sequelas são diretamente relacionadas à velocidade. Quanto maior a velocidade mais graves são as lesões, principalmente quando batem de frente contra outro veículo ou objeto fixo. A motocicleta é um veículo que não tem proteção estrutural. A pessoa fica mais exposta e frequentemente é ejetada da moto. As principais lesões envolvem membros inferiores, principalmente esmagamento, fraturas expostas.
É importante que o motociclista use sempre os dispositivos de segurança, como capacete, calça e jaquetas de material resistente que minimizam as lesões no momento em que ele toca no solo.
O chefe da Neurologia do Hospital João XXIII, o neurologista Rodrigo Faleiro disse que nem sempre o capacete previne todas as lesões cranianas que podem acontecer. Ele citou como exemplo a lesão anoxal difusa (estado de coma após acidente em alta velocidade). “É comum casos de traumatismo craniano grave no CTI em decorrência de acidentes com moto. Muitos não acordam. Outros acordam, mas com traumatismo raquimedular.
A coordenadora da Pediatria do Hospital João XXIII, a pediatra Eliane de Souza, alerta para o número crescente de atropelamentos de crianças por motos. “Em algumas semanas temos pelo menos três leitos ocupados por estas crianças. Algumas delas, segundo a pediatra, com sequelas graves.
Devido ao seu caráter social e educativo, a campanha chamou a atenção da Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Servidores da Fhemig e Empregados dos Estabelecimentos Hospitalares de Belo Horizonte, Região Metropolitana e Zona da Mata (Cecref) que se mostrou preocupada com as consequências pessoais e sociais dos acidentes envolvendo motociclistas e, portanto, apoiou e patrocinou a campanha. Assim, a Cecref tornou-se parceira da Fhemig no processo de divulgação e conscientização da população para a importância da adoção de uma atitude responsável e segura ao pilotar motos. A campanha também contou com o apoio do rapper Felipe Ikis Oficial, responsável pela criação da trilha sonora "Os Motoquetes" e da Escola de Dança Corpo e Arte que criou e executou a coreografia, de modo a potencializar o apelo da campanha.