“A mãe dos meninos de Barbacena”: este é o nome do capítulo dedicado ao trabalho da Irmã Mercês Hatem Osório, retratado no livro-reportagem “Holocausto Brasileiro”, da jornalista mineira Daniela Arbex, lançado no final de junho deste ano. A psicopedagoga é coordenadora do Lar Abrigado, anexo do Centro Psiquiátrico da Adolescência e da Infância (CEPAI), da Rede Fhemig.
O livro relata as histórias do sofrimento vivenciado pelos internos da antiga Colônia, o manicômio da cidade de Barbacena (Minas Gerais), desde 1903, ano de sua inaguração, até 1980, quando a Rede Fhemig assume a sua administração e o denomina Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB). Ao longo deste período, cerca de 60 mil pessoas morreram devido à desnutrição e maus tratos, entre outros motivos.
Quando a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais assumiu o hospital, 23 crianças e adolescentes que estavam internadas na instituição foram transferidos para o CEPAI, em Belo Horizonte. Porém alguns deles, extremamente dependentes de cuidados especiais, nunca reencontraram suas famílias e, para atendê-los adequadamente, foi construída uma casa para abrigá-los e a outros jovens oriundos da Instituição Caminhos para Jesus: era o início do Lar Abrigado, também conhecido como “Casa Amarela”. Em 21 de outubro de 1998, o anexo era inaugurado, e daquele momento em diante, Irmã Mercês iria dedicar a sua vida àqueles meninos, hoje sete adultos.
A psicopedagoga e freira, que em sua carreira, acumulou experiência como alfabetizadora (ela elaborava os livros didáticos que utilizava), e atuou em tribos indígenas e em diversos projetos sociais, inclusive durante o período em que viveu na Itália, se viu diante do desafio de ensinar os jovens do Lar Abrigado a realizarem ações aparentemente simples como se sentar em cadeiras, se vestir, usar o vaso sanitário e comer na mesa. “Eu ficava cerca de 40 minutos com cada um no banheiro. Quando eles faziam certo, eu dizia ´parabéns` e usava palavras de incentivo”, conta Mercês. Com muito esforço e um trabalho humanizado, os moradores desenvolveram habilidades sociais.
Diante dos resultados, a comunidade do entorno do hospital passou a enxergar o projeto com outros olhos. As atividades e eventos promovidos pelo Lar Abrigado passaram a contar com uma significativa adesão das pessoas. “Fizemos parceria com um dentista e um cabelereiro que vinham sempre atender os meninos”, relembra a coordenadora.
Dentre as diversas atividades desenvolvidas para atender os moradores do Lar, estão passeios em praças, participação em eventos da comunidade e paróquia locais, e oficinas de pintura e música, que a própria Irmã Mercês oferece em parceria com a auxiliar de serviços Sueli Fernandes (seu “braço direito”) e outras servidoras. Além disso, os moradores recebem atendimento fisioterápico semanal.
Quanto ao trabalho que Mercês faz no CEPAI, o rol de atividades lúdicas é extenso e vai do cinema com pipoca às segundas-feiras às manhãs poéticas das quintas-feiras. Para as mães dos internos, é oferecida aulas de ginástica nas noites das segundas e quartas-feiras.
Em 2007, foi realizado um intenso trabalho de pesquisa em busca de informações que possibilitaram a expedição dos documentos de identificação dos moradores do Lar. Hoje, todos eles possuem RG, CPF e certidão de nascimento, nos quais Irmã Mercês recebe a qualificação de tutora. Como sugere o capítulo do livro que enfoca a atuação da freira, Mercês se tornou oficialmente a mãe dos meninos de Barbacena.