Foto:Alexandra Marques
A informação é o melhor caminho para combater o preconceito
Embora a maioria dos casos de hanseníase esteja localizada no continente asiático, particularmente na Índia, país que concentra mais da metade (55,5%) das ocorrências da doença em todo o mundo, o Brasil ocupa a segunda posição, com 15,3% do número total de enfermos. A distribuição dos casos em território nacional se dá em “aglomerados”, de acordo com estudos realizados entre 2005 e 2007. Os dez maiores aglomerados (constituídos por 1.173 municípios) respondem por 53,3% dos novos casos no país. “Portanto, combatendo-se esses dez clusters resolve-se mais da metade do problema”, sugere a dermatologista e técnica da Coordenação Estadual da Hanseníase em Minas Gerais, Maria Aparecida de Faria Grossi.
Em todo o país, somente em 2010, registraram-se 34.894 novos casos da doença, dos quais 2.461 em crianças, ou seja, 7,1%. Ainda em 2010, 166 municípios brasileiros detiveram 68% da detecção total da hanseníase. Nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, as taxas de ocorrência são as mais altas. Apesar disso, todas as regiões têm apresentado reduções ano a ano. O grupo de cidades que representam quase 70% da detecção é considerado prioritário pelo Ministério da Saúde (MS), haja vista que é muito alto o risco de adquirir-se a hanseníase nessas localidades.
É inegável o fato que, após um período de aumento, a enfermidade no Brasil está em declínio, porém ainda há muito a ser feito de modo a controlar-se a doença. “Nós temos motivos para nos orgulharmos, no que tange ao tratamento da hanseníase, mas é um absurdo termos, em 2011, novos casos da doença e, absurdo maior, termos crianças adoecendo em pleno 2011”, alerta Maria Aparecida Grossi. A existência de crianças infectadas pelo bacilo de Hansen (Mycobacterium leprae) significa que elas estão em contato com adultos sem tratamento.
Historicamente, o combate à hanseníase apresenta avanços e retrocessos. Ao longo dos anos, a sua ocorrência mundial acompanha a evolução ou a retração de sua incidência na Índia. A partir de 2000, constatou-se uma redução muito acentuada do número de casos naquele país, no entanto, não existia nenhuma explicação epidemiológica (evidência científica) para essa diminuição. Recentemente, tornou-se público que a suposta redução devia-se, efetivamente, ao fato de que a Índia parou de notificar os novos casos. Portanto, a notificação é crucial para o adequado controle da doença.
Apesar de a hanseníase ser uma doença de notificação compulsória em todo o território nacional, assim como de investigação obrigatória, a situação da notificação no Brasil não está equacionada. Estados como Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, dentre outros, enfrentam problemas com a subnotificação. Uma evidência disso é o número de casos envolvendo menores de 15 anos.
A hanseníase é uma doença com trajetória milenar e extensão mundial. Em 2010, 130 países, ou seja, 68% do total, figuravam como locais de incidência dessa enfermidade. Ao todo, foram registrados 228 mil caos, apenas no último ano. Desse universo, 17 países apresentavam mil casos novos, dos quais 95% foram notificados.
Por outro lado, o combate ao preconceito não caminha na mesma velocidade que a evolução do tratamento da doença. Apesar de, há duas décadas, a hanseníase ser “uma doença que pode, e deve, ser tratada ambulatoriamente, como qualquer outra doença”, lembra a dermatologista do Hospital Eduardo de Menezes, da Rede Fhemig, Sandra Lyon, o preconceito não foi totalmente superado. A médica relata um caso ocorrido há um ano, quando um paciente em tratamento no HEM, teve sua casa queimada em razão da comunidade onde ele residia ter “descoberto” a sua situação de saúde. Um relato como esse constitui exceção, mas é preocupante, uma vez que reações sociais dessa natureza eram observadas na Idade Média.
Segundo a assistente social do HEM, Luciana Paione de Carvalho, em pleno século XXI, a hanseníase ainda gera estigma social e o paciente acometido por ela é vítima de um preconceito considerável. Isso tem como consequência a negação da doença por parte do paciente, o que irá acarretar a sua não adesão ao tratamento, tornando-o sujeito a sequelas e a um quadro emocional de agressividade.
Além disso, o preconceito gera segregação, redução da chance de vida do doente, perdas de ordem psíquica, física e social, além de conflitos na esfera familiar e profissional. Portanto, a hanseníase deve ser encarada como uma doença social, uma vez que não somente a pessoa acometida demanda tratamento, mas também a sociedade dado os malefícios que o desconhecimento sobre a enfermidade pode acarretar.
Em razão da complexidade da questão, faz-se necessário combater o preconceito de maneira plural. Daí a importância da mobilização social que é uma das formas mais poderosas e eficazes de resposta, uma vez que gera visibilidade e produz informação. Como bem lembra Luciana Paione, ao citar Madre Tereza de Calcutá, “o sentimento que tem a pessoa de ser indesejada, de estar abandonada, é a maior de todas as doenças”.
O primeiro caso da doença de que se tem registro ocorreu no Uzbequistão (ex-república soviética da Ásia Central) no ano de 1350 antes de Cristo. No entanto, há controvérsias quanto à origem da hanseníase, uma vez que não existem provas inequívocas se sua primeira ocorrência se deu no continente asiático ou africano. De todo modo, há relatos de casos da doença, que datam de quatro mil anos, em países como Índia, China e Japão. Também há registros de casos de afecções cutâneas, cujas características podem ser atribuídas à hanseníase, no Egito, há quatro mil e trezentos anos antes de Cristo, de acordo com informações registradas num papiro datado da época de Ramsés II (faraó egípcio). Todavia, existem evidências da enfermidade em esqueletos descobertos no Egito, no segundo século antes de Cristo.
Doença plenamente curável, a hanseníase, desde o início da década de 1980 do século passado, por recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), é tratada por meio da poliquimioterapia. A terapêutica é usada em 100% dos pacientes, em todo o mundo, e consiste na associação de drogas que produzem maior eficácia, menor risco de resistência medicamentosa, além de possibilitar respostas mais rápidas.
Os serviços públicos de saúde, em todo o território nacional, disponibilizam o tratamento gratuitamente. Os medicamentos interrompem a cadeia de transmissão da doença tão logo seja tomada a primeira dose. É importante salientar que o tratamento dispensa a internação dos pacientes. Dessa forma, eles podem conviver, normalmente, com sua família, assim como com seus colegas de trabalho, amigos e demais grupos sociais dos quais faça parte.
Congresso
A temática da hanseníase, dentre outros temas de grande relevância para a saúde pública, foi objeto de discussão do VI Congresso Brasileiro de Dermatologia, o qual contou com o patrocínio da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).
Com informações da revista eletrônica Saúde e Sociedade (Vol. 13, nº2, p.76-88, maio-agosto de 2004), hospedada no site http://www.uff.br/tudosobrelepra.