Equipe de Cuidados Paliativos do HAC realiza primeira visita domiciliar

 

O girassol é o símbolo mundial dos Cuidados Paliativos

O girassol é o símbolo mundial dos Cuidados Paliativos

 

 

No dia 4 deste mês, a equipe de Cuidados Paliativos do Hospital Alberto Cavalcanti (HAC) realizou a primeira visita domiciliar a um paciente terminal. A ação resultou do processo de formação do grupo multi e interdisciplinar de especialistas do hospital que, ao longo dos últimos cinco anos, foi submetido a contínuos treinamentos a fim de se capacitar para atuar no contexto da morte. Nesta primeira fase, o atendimento é direcionado a cinco pacientes.

 

A equipe é composta por médico oncologista, psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, nutricionista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, enfermeiro e técnico de enfermagem que atuam de forma harmônica e complementar com o objetivo de proporcionar uma morte digna aos pacientes classificados como incuráveis.

O grupo reúne-se toda terça-feira para a discussão dos casos no âmbito técnico, ético e tanatológico. Além disso, as reuniões têm como objetivo a troca de idéias sobre os artigos científicos que abordam a questão dos cuidados paliativos, visando a atualização e a capacitação de todos os profissionais envolvidos no processo.

Antes dos encontros, há uma "corrida de leito" que busca verificar o desenvolvimento do quadro dos pacientes. A avaliação é feita com base no suporte de conforto e no controle da dor. Isto porque, em muitas circunstâncias, a permanência no hospital não irá determinar uma melhora do estado clínico dessas pessoas.

Saúde pública

Presentemente, os cuidados paliativos adquiriram o status de importante questão de saúde pública, pois eles representam a integralidade do cuidado, permitindo que as escolhas sobre o destino do paciente possam ser compartilhadas em um processo ético que leva em conta a sua opinião e de sua família.

Quando não há mais o que fazer, em termos de atendimento clínico, em razão de não haver prognóstico de cura, busca-se dar conforto e assegurar a qualidade de vida do paciente que se encontra em estado terminal, com sofrimento intenso, isolado dos seus familiares e ligado a aparelhos em uma UTI. Na avaliação do enfermeiro e membro da equipe do HAC, João Samena Nanquida, "o hospital, por melhor que seja, é um meio estranho para o enfermo. A mudança de ambiente, por si só, já determina uma 'melhora' e permite que o doente tenha uma morte digna, além de minimizar a dor intensa”.

Diante da dor do outro

Um dos princípios norteadores dos cuidados paliativos é que eles não apressam, nem adiam a morte, mas afirmam a vida e encaram o morrer como um processo natural e não um fracasso técnico.

Nanquida relata que o primeiro paciente a ser atendido, um homem de 57 anos de idade, casado e pai de dois filhos, com um quadro de metástase cerebral, tumor ósseo, pulmonar e pancreático vinha se recusando a se alimentar em casa. Diante desta situação, os cuidados paliativos foram determinantes, na medida em que a equipe multiprofissional foi capaz de, por meio do diálogo, incentivar o doente a adotar uma atitude mais “serena” em relação ao fim de sua vida, resultando em uma mudança de atitude no sentido de voltar a alimentar-se.

O comportamento descrito pelo enfermeiro costuma ser comum entre os doentes terminais, haja vista que na iminência da morte, de um modo geral, as pessoas passam pelos estágios de negação, raiva, barganha, depressão e, finalmente, aceitação.

Impacto da doença

É preciso ter-se em mente que o impacto da doença é muito grande, pois envolve não somente a pessoa acometida, mas todo o seu grupo familiar (e relacional) que sofre junto. Assim, a ansiedade em relação ao final da vida é, em certa medida, “atenuada” ao longo das visitas, uma vez que o paciente encontra-se em seu ambiente doméstico, cercado pelo carinho de seus familiares e pela atenção da equipe de cuidados paliativos. Daí a importância de se contemplar a dimensão sócio-relacional da doença.

A fonoaudióloga Fabiana Sena de Castro, integrante do projeto do HAC desde o seu início, ressalta que a família (e o grupo de pessoas próximas) também fica “doente”, na medida em que não compreende o mecanismo da morte. “O fato de a equipe ter uma rotina de presença transmite segurança aos familiares, pois os ajuda a encararem essa etapa da vida de seu ente querido a partir de outro ângulo, o da possibilidade de uma morte sem sofrimento”, pontua.

Contexto

A necessidade do estabelecimento e do desenvolvimento de uma cultura assistencial baseada na prática dos cuidados paliativos é confirmada pelo fato de que as estimativas demográficas apontam para um aumento significativo da longevidade humana o que implica no crescimento substancial do número de pessoas classificadas como pertencentes à “terceira idade” (maiores de 60 anos).

Este cenário, decorrente da melhoria das condições de vida, bem como dos avanços da medicina, pressupõe, dentre outros aspectos, também o aumento do número de pessoas, potencialmente, portadoras de doenças crônico-degenerativas sem prognóstico de cura. A Organização Mundial da Saúde estima que em 2050 a população com mais de 60 anos de idade mais que triplicará, ou seja, passará de 600 mil para quase dois bilhões, o que corresponde a 21% da população mundial.

Nesse sentido, um modelo de medicina curativa, agressiva, focada no ataque à doença, não atende as necessidades do paciente em estado terminal. Assim, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os cuidados paliativos devem ser entendidos como uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes (e das suas famílias) que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e com prognóstico limitado, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, como a dor, mas também dos psicossociais e espirituais.

A temática dos “cuidados paliativos” não é recente. Para imprimir uma precisão histórica ao tema faz-se necessário remontar-se à antiguidade, haja vista que o apoio aos que estão doentes ou morrendo é relatado em todas as épocas e culturas. Mas o movimento ganhou força a partir do século XIX graças ao protagonismo de várias mulheres. No entanto, a questão somente adquiriu o caráter que possui atualmente devido às contribuições da inglesa Cicely Saunders. Essa médica foi a responsável pela reconfiguração filosófica da prática. Por meio da escuta atenta das narrativas de seus pacientes, Saunders criou o conceito de “dor total”.

Novo paradigma

O novo paradigma ampliou a dimensão da dor para além do seu aspecto físico, incorporando a dimensão social, emocional e espiritual do sofrimento. Em 1967, com a fundação do “St. Christopher Hospice”, a médica deu início à consolidação dos “Cuidados Paliativos” como são conhecidos hoje. Seu lema sempre foi “Quero que você sinta que me importo pelo fato de você ser você, que me importo até o último momento de sua vida e que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance, não somente para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para você viver até o dia da sua morte.”

Do mesmo modo, não é possível traçar o perfil dos cuidados paliativos modernos sem mencionar outra mulher que contribuiu, de forma contundente, para o desenvolvimento dos estudos acerca do tema: a psiquiatra suíça Elizabeth Kübler-Ross. Com o seu livro “Sobre a morte e o morrer”, ela promoveu um grande impacto na área dos cuidados em saúde. Deve-se a Kübler-Ross a introdução do estudo da tanatologia no âmbito das ciências médicas.

Desenvolvimento mundial e nacional

Desde então, os avanços foram contínuos, e duas décadas depois do pioneirismo de Saunders (1987), a medicina paliativa foi reconhecida como uma especialidade médica em vários países, sendo entendida como o estudo e a gestão dos pacientes com doença ativa, progressiva e ultra-avançada, para os quais o prognóstico é limitado e o enfoque do cuidado é a qualidade de vida.

A partir do segundo semestre deste ano, com a publicação da norma (Resolução 1973/2011, de 1º de agosto) que cria a especialidade médica de cuidados paliativos, a Comissão Nacional de Medicina Paliativa da Associação Médica Brasileira (AMB) se encarregará de definir os critérios para o reconhecimento dos primeiros paliativistas titulados do país. A medida é de extrema importância principalmente se for levado em consideração que dados da OMS  indicam que 65% dos portadores de doenças crônicas requerem cuidados paliativos.

Belo Horizonte

De todo modo, desde 2006, é possível perceber a estruturação de alguns hospitais de Belo Horizonte (Alberto Cavalcanti, Paulo de Tarso, Risoleta Tolentino Neves e Hospital das Clínicas da UFMG) no sentido da inclusão dos cuidados paliativos em sua prática cotidiana. Embora o número ainda seja reduzido, a importância do pioneirismo dessas instituições de saúde, no âmbito do estado de Minas Gerais, merece destaque na medida em que alimenta a consolidação do modelo.

Pioneirismo

No âmbito nacional, segundo a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), iniciativas isoladas e discussões a respeito dos Cuidados Paliativos são encontradas desde os anos de 1970. Contudo, foram nos anos de 1990 que começaram a aparecer os primeiros serviços organizados, ainda que de forma experimental. Cabe ressaltar o pioneirismo do professor Marco Túlio de Assis Figueiredo que abriu os primeiros cursos e atendimentos com filosofia paliativista na Escola Paulista de Medicina. Outro serviço importante e pioneiro no Brasil é o do Instituto Nacional do Câncer – INCA, do Ministério da Saúde, que inaugurou em 1998 o hospital Unidade IV, exclusivamente dedicado aos Cuidados Paliativos. Contudo, atendimentos a pacientes fora da possibilidade de cura acontecem desde 1986. Em dezembro de 2002, o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE/SP) inaugurou sua enfermaria de Cuidados Paliativos. Em São Paulo, outro serviço pioneiro é do Hospital do Servidor Público Municipal, que foi inaugurado em junho de 2004.

Critérios de qualidade

Por outro lado, a primeira tentativa de congregação dos paliativistas aconteceu com a fundação da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP) pela psicóloga Ana Geórgia de Melo, em 1997. Com a fundação da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, em 2005, os Cuidados Paliativos no Brasil deram um salto institucional enorme. Com a ANCP, houve um avanço na regularização profissional do paliativista brasileiro, estabeleceram-se critérios de qualidade para os serviços de Cuidados Paliativos, realizaram-se definições precisas do que são e o que não são Cuidados Paliativos e levou-se a discussão para o Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB).

Ainda de acordo com a ANCP, persiste no país um enorme desconhecimento e muito preconceito relacionado aos Cuidados Paliativos, principalmente entre os médicos, profissionais de saúde, gestores hospitalares e poder judiciário. O atendimento paliativo segue sendo confundido com a eutanásia e há um enorme preconceito com relação ao uso de opióides, como a morfina, para o alívio da dor.

Modelos padronizados

São poucos os serviços de Cuidados Paliativos no Brasil, menor ainda é o número daqueles que oferecem atenção baseada em critérios científicos e de qualidade.  A grande maioria dos serviços ainda requer a implantação de modelos padronizados de atendimento que garantam a eficácia e a qualidade. Há uma lacuna na formação de médicos e profissionais de saúde em Cuidados Paliativos, essencial para o atendimento adequado, devido à ausência de residência médica e a pouca oferta de cursos de especialização e de pós-graduação de qualidade. Ainda hoje, no Brasil, a graduação em medicina não ensina ao médico como lidar com o paciente em fase terminal, como reconhecer os sintomas e como administrar esta situação de maneira humanizada e ativa.


(com informações da ANCP)