Dezoito de maio é o dia nacional da luta antimanicomial. Para celebrar a data, como tradicionalmente acontece, trabalhadores, familiares, apoiadores e usuários da saúde mental ocuparão as ruas centrais de Belo Horizonte, a partir das 14h, com o desfile da Escola de Samba “Liberdade Ainda Que TanTan”. A escola é formada pelos usuários dos diversos serviços substitutivos de saúde mental de Minas Gerais.
A manifestação é organizada pelo Fórum Mineiro de Saúde Mental, a Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, com o apoio da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG).
“Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça: por uma sociedade sem manicômios”, é o slogan deste ano. Segundo a coordenadora da equipe de saúde mental da SES/MG, Marta Elizabete de Souza, os foliões vão convocar a sociedade para resistir aos retrocessos que vêm ocorrendo nas conquistas históricas da Luta Antimanicomial brasileira. “Além da beleza e alegria, o desfile é um movimento político que também procura resgatar e fortalecer os princípios da reforma psiquiátrica e do SUS, assim como assegurar as demais conquistas sociais. Luta contra toda lógica de intolerância e de segregação que durante séculos manteve os portadores de sofrimento mental excluídos do campo dos direitos de cidadania”.
A principal reivindicação da Luta Antimanicomial é por uma sociedade sem manicômios, sem prisões ou qualquer tipo de instituição que reproduza a lógica e as práticas manicomiais. E para que isso seja possível, segundo Marta Elisabeth, o desafio é a implantação efetiva da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
A RAPS é uma diretriz do Ministério da Saúde, que garante acesso público e de qualidade aos portadores de sofrimento mental, numa rede de serviços aberta, com base territorial, sem ruptura dos vínculos comunitários e familiares. Estabelece os pontos de atenção que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) e é composta por serviços tais como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, leitos em hospital geral, os Consultórios de Rua, as Unidade de Acolhimento (UAs), dentre outros.
Embora ainda existam cerca de 900 leitos em 10 hospitais psiquiátricos públicos e privados conveniados com o SUS, Minas Gerais, em consenso com os princípios do SUS e da reforma psiquiátrica antimanicomial, tem investido na rede substitutiva aos manicômios. Atualmente no estado, a rede é composta por 247 Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) e 69 Serviços Residenciais Terapêuticos.
“Também é necessário investimentos em políticas públicas inclusivas para esta população, como por exemplo, projetos de cooperativas de trabalho, nos moldes da economia solidária”, completa a coordenadora Marta Elisabeth.
Desfile da Escola de Samba Liberdade Ainda Que TanTan
Dia: 18 de maio (segunda-feira)
Hora: Concentração a partir das 14h e início do desfile às 15hs
Local: Concentração na Praça da Liberdade
Trajeto: Praça da Liberdade, Av. João Pinheiro, Av. Afonso Pena, Rua Espírito Santo, Rua Tupinambás, Praça da Estação (dispersão)
O desfile deste ano evoluirá com as seguintes alas:
ALA 1 - O CAVALO É MARC0: ENQUANTO HOUVER BECO, EXISTE SAÍDA: Homenagem ao cavalo azul de papel machê, chamado Marco, que os pacientes do hospital psiquiátrico da cidade italiana de Trieste, em 1973, levaram às ruas, junto com a equipe de Franco Basaglia, numa alegre manifestação, símbolo da desinstitucionalização. Por isso, Marco Cavallo hoje segue à frente no nosso 18 de maio, quando mais uma vez a loucura conquista, em festa, os caminhos, as praças, os becos e vielas, todas, enfim, saídas rumo à cidadania.
ALA 2 - PENSO, LOUCO EXISTO: No século XVI, o filósofo René Descartes, fundando a racionalidade moderna, cunhou a famosa frase: “Penso, logo existo”. Contudo, o pensamento, por racional que se queira, não recobre e apreende a totalidade suposta do real: escorrega em furos, esbarra em impossíveis, rasga-se em fragmentos.Portanto, afirmamos: sim, há pensamento na loucura, e muitas vezes são belos pensamentos, ainda que loucos. É o que bem percebe Franco Basaglia, ao convidar-nos a buscar cidadania para tão estranhas invenções.
ALA 3 – ALICE FAZ MARAVILHAS NUM PAÍS SEM MANICÔMIOS NEM PRISÕES: No século XIX, o inglês Lewis Carrol nos trouxe a surpresa de uma forma original de dirigir-se às crianças, contando a história de Alice no País das Maravilhas, lugar onde apesar do impossível acontecer a todo momento, Alice insiste em conhecer suas novas paisagens e seus exóticos habitantes. Neste país onde todos parecem loucos, mas não existem manicômios, Alice, protagonista de sua história, faz maravilhas de convivência e criação. Há que se incentivar meninos e meninas no exercício de seu poder de audácia, coragem e imaginação, em especial neste momento em que se propõe algo tão perigoso como a redução da maioridade penal.
ALA 4 – QUEM CALA CONSENTE, SERPENTE NA BOCA DA GENTE: É enorme a importância dos serviços substitutivos de saúde mental no enfrentamento aos manicômios e instituições afins. Atendem e acompanham os usuários segundo uma lógica contrária àquela do hospital psiquiátrico: acolher, e não encarcerar; convencer, e não obrigar; aceitar, e não excluir. Contudo, problemas diversos perturbam este abrir caminhos dos serviços abertos e não podemos nos calar nem consentir no mal que é feito aos usuários e trabalhadores quando o mercado ordena, as corporações profissionais dominam, o saber prevalece e a condição de trabalho se precariza. Retomar Basaglia e seus princípios é a única forma de manter a reforma psiquiátrica viva e brilhante.
ALA 5 – CUIDAR, SIM! MONITORAR, NÃO! SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO.......CUIDADO: A instalação de câmeras de monitoramento nas ditas “cracolândias” das grandes cidades apenas vigia, esquadrinha, delata, nascido que é de políticas pautadas pela repressão e por uma lógica de segurança pública higienista, fomentando o monitoramento violento e o uso de armas como o choque e gás pimenta. Enquanto isso recolhe-se bebês de usuárias de crack e financia-se comunidades terapêuticas, sistematicamente denunciadas como violadoras de direitos humanos, em detrimento de investimentos nas políticas públicas que promovem o cuidado em liberdade. Diante deste complexo contexto, Basaglia nos convoca: “ou se é cúmplice ou se age e destrói”. Portanto, lutamos para garantir uma política para os usuários de drogas onde saúde não seja negócio nem mercadoria, mas direito de cidadania, com ações de redução de danos, buscando sustentar o desejo de viver e conviver, numa cidade que caiba as diferenças.
ALA 6– NEM DE CABEÇA PRA BAIXO, ME REBAIXO: VIMENTO E SOCIEDADE: Quando dizemos não ao manicômio estamos dizendo não à miséria do mundo, não à mercantilização da vida, e nos unimos a todos que lutam pela liberdade. Basaglia nos inspirou ao afirmar: ”É no interior de vocês que se encontra a força capaz de romper com essa cadeia infernal”. E demonstrou tal premissa ao desconstruir o manicômio e trazer à cidade aqueles que nela não cabiam, aliando-se, em franca batalha política, aos mais diversos movimentos libertários atuantes em terra italiana. A luta pela emancipação da sociedade traz a esperança de um mundo diferente, em que o outro louco, o outro morador da rua, o outrodas ocupações, o outro excluído, enfim, é o mesmo outro de nós. Nas trilhas das lutas de Basaglia, convidamos os combativos movimentos sociais a estar conosco neste 18 de maio.
Por Juliana Gutierrez
Fonte: SES/MG